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Voo JAL 123: Um reparo fatal e a maior tragédia da aviação japonesa

No fim da tarde de 12 de agosto de 1985, Hirotsugu Kawaguchi, 52 anos, escreveu uma carta comovente. Não para enviar pelo correio, mas para deixar com seus entes queridos – uma despedida em caso de fatalidade. “Mariko, Tsuyoshi, Chiyoko, sejam bons uns com os outros e trabalhem duro. Ajudem a sua mãe. É triste, mas tenho certeza de que eu não vou sobreviver… E pensar que aquele jantar de ontem foi o nosso último”, escreveu ele, um dos passageiros do voo 123 da Japan Airlines. Essa carta, encontrada junto ao seu corpo, ilustra o drama vivido a bordo daquele Boeing 747.

A tragédia do JAL 123, o segundo pior acidente aéreo da história envolvendo uma única aeronave – superado apenas pelo desastre de Tenerife em 1977 (583 mortos) –, marcou para sempre a aviação mundial. 520 das 524 pessoas a bordo morreram quando o avião caiu em uma montanha perto de Tóquio. Quarenta anos depois, a lembrança da catástrofe ainda dói.

Era um período próximo a um feriado japonês, e os aviões estavam lotados. A Japan Airlines escalou um Boeing 747-SR, uma versão de curto alcance (SR = *short range*) do famoso Jumbo Jet, especialmente projetada para o mercado japonês, devido à alta demanda e ao tráfego aéreo intenso no país. A aeronave decolou de Haneda, em Tóquio, rumo a Itami, em Osaka, com 509 passageiros e 15 tripulantes a bordo.

Na cabine, o copiloto Yutaka Sasaki, 39, estava no assento esquerdo – posição normalmente do comandante – como parte de seu treinamento final para assumir o comando do 747. Ao seu lado, o experiente comandante Masami Takahama, 49, cuidava das comunicações. Completava a tripulação o engenheiro de voo Fukuda Hiroshi, 46, com mais de 3.800 horas de voo no 747 (uma função hoje extinta na aviação comercial devido à automação).

Tudo parecia normal até às 18h24, 12 minutos após a decolagem. Sobrevoando a baía de Sagami, uma forte descompressão explosiva atingiu a parte traseira do avião. Um estrondo ensurdecedor, máscaras de oxigênio caindo… o pânico se instalou. Os pilotos, imediatamente, acionaram o código 7700, sinalizando emergência. O comandante Takahama decidiu retornar a Haneda.

Aí começou o pesadelo. Ao tentar manobrar, o 747 não respondia aos comandos do manche. A caixa-preta revelaria a terrível verdade: os quatro sistemas hidráulicos estavam totalmente inoperantes. Os pilotos, sem saber o que havia acontecido, não tinham ideia de que a descompressão fora causada pela explosão da cauda, que arrancou o leme e quase todo o estabilizador vertical.

A aeronave, com tripla redundância em seus sistemas – ou seja, três sistemas idênticos para garantir segurança –, sofreu uma falha catastrófica. A proximidade dos quatro sistemas hidráulicos na cauda – um detalhe que também contribuiria para o acidente do voo United 232 em 1989 – explica a completa perda de controle.

Cinco minutos após a explosão, uma comissária relatou aos pilotos o ocorrido na parte traseira, sem entender a gravidade. Ela imaginou que uma porta do compartimento de carga havia se soltado.

Sem controle hidráulico, o 747 passou a sofrer oscilações violentas: movimento fugoide (ângulo de ataque oscilando), e rolamento holandês (giros laterais), numa situação comparável à de um barco em alto-mar. A sensação de náusea era generalizada entre os passageiros.

A torre de controle sugeriu um pouso de emergência em Nagoya, mas Takahama optou por Haneda, por ter uma pista maior e melhores recursos de emergência. A comunicação com a torre, inicialmente em inglês, passou para japonês para facilitar a comunicação, mas após dez minutos, um silêncio preocupante se instalou. A prioridade em situações de emergência é: voar, navegar, comunicar.

Às 18h33, o gravador de voz registra o engenheiro de voo alertando duas vezes sobre a necessidade de usar as máscaras de oxigênio. A falta de pressurização causava hipóxia (falta de oxigênio no cérebro), afetando a capacidade dos pilotos. Infelizmente, nenhum deles usou a máscara até o fim.

Às 18h35, o engenheiro, em comunicação direta com a torre, informa incorretamente que a descompressão se devia à perda de uma porta de passageiros. O silêncio na cabine aumentava. O copiloto tentava se comunicar com o comandante, sem sucesso.

Apesar do caos, Sasaki usou o único controle disponível: as manetes de potência dos motores. Com empuxo desigual, ele conseguia fazer leves curvas, e até mesmo diminuir o movimento fugoide, estabilizando a altitude por um tempo. A tripulação baixou o trem de pouso – uma manobra possível sem o sistema hidráulico, para desacelerar e perder altitude.

Por volta das 18h45, a 4,1 km de altitude, os efeitos da hipóxia pareciam diminuir, e os pilotos se comunicaram com a torre: “Aeronave incontrolável”. Takahama, em particular, comentou com seus colegas: “Pode ser que não tenha volta”.

Às 18h47, o 747, em vez de seguir rumo a Haneda, virou para a esquerda, em direção a uma cadeia de montanhas. Takahama ordenou potência máxima para evitar a colisão, mas o movimento fugoide se intensificou, levando a um breve estol. Uma tentativa de usar os flaps para recuperar a sustentação falhou, e o avião descia a uma velocidade alarmante. Um novo aumento de potência e um giro à direita foram inúteis.

Às 18h56, 32 minutos após a descompressão, o JAL 123 se chocou contra a montanha, explodindo.

A proximidade da região com uma base militar norte-americana levou a uma notificação rápida, mas a operação de resgate foi inicialmente adiada por ordens das autoridades japonesas. Horas depois, um helicóptero policial avistou o local, concluindo que não haveria sobreviventes. Ao amanhecer, porém, quatro sobreviventes, todas mulheres, foram encontrados, incluindo uma comissária de bordo que estava viajando como passageira. Seu depoimento, relatando ter ouvido vozes de outros sobreviventes durante a noite, mudou os protocolos de resgate em desastres aéreos.

A investigação apontou para uma falha no reparo de um anteparo de pressão traseiro, após uma batida em 1978. A Boeing havia recomendado a utilização de uma placa com apenas uma fileira de rebites, enquanto seriam necessárias duas para uma distribuição segura da pressão. O avião acumulou 12.319 ciclos de decolagem e pouso, superando a vida útil estimada do reparo.

A tragédia do JAL 123 abalou o Japão e o mundo. A Japan Airlines sofreu com a perda de reputação, e seu presidente renunciou. Um mês após o acidente, o diretor de manutenção morreu em um incidente considerado suicídio; dois anos depois, um engenheiro envolvido no caso também tirou a própria vida. A Boeing atualizou seus manuais e protocolos, mas a marca do JAL 123 permanece como um alerta sobre a importância da segurança e da manutenção rigorosa na aviação.

Fonte da Matéria: g1.globo.com