A agropecuária e o aquecimento global
Produtores rurais de Montividiu, no sudoeste de Goiás, estão apostando em práticas de agricultura regenerativa para diminuir as emissões de gases poluentes na atmosfera geradas pela produção de alimentos (veja vídeo acima).
🔎A agricultura regenerativa tem como objetivo restaurar a saúde do solo. A ideia não é regenerar o meio ambiente ao seu estado inicial, mas usar técnicas que causem um menor impacto no meio ambiente, conciliando de forma equilibrada o cultivo, a produtividade e a natureza, diz a bióloga Marla Hassemer.
Algumas dessas técnicas são a rotação de culturas, o uso de adubos orgânicos e o plantio direto.
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Resultados da agricultura regenerativa
Na fazenda da família do produtor Eric Van Den Broek, a transição para a agricultura regenerativa tem sido feita, por exemplo, por meio da rotação de culturas, a partir do revezamento do plantio de feijão, milho e outros cultivos.
O produtor relata ter sentido, na prática, os efeitos do aquecimento global. “O que vem ocasionando com mais frequência é ou estresse hídrico, muito tempo sem chuva ou excesso de chuva aqui. Pancadas bem isoladas com volume alto de chuva”, conta.
Parte dessas mudanças climáticas está ligada à forma como os agricultores usam o solo.
➡️Fertilizantes sintéticos à base de nitrogênio são hoje uma das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa na agricultura. Diluídos na água, eles liberam óxido nitroso, um potente gás que contribui para o aquecimento global.
Mas as mesmas lavouras que geram emissões também podem ajudar a reduzi-las. O solo funciona como um reservatório natural para capturar carbono da atmosfera — estratégia central da agricultura regenerativa.
Eric afirma ter alcançado 76% menos emissões de gases de efeito estufa em comparação a propriedades que seguem o modelo tradicional.
O ponto de partida foi uma análise detalhada do solo, que permitiu ajustar o uso de insumos e adotar fertilizantes mais eficientes, como o chamado fertilizante complexado, que combina compostos orgânicos com produtos químicos e reduz perdas para a atmosfera.
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Adubo orgânico e economia circular
A fazenda também investe em adubo orgânico produzido em larga escala. A mistura leva esterco de boi, bagaço de cana e cama de frango, que fermentam por cerca de 45 dias.
Ela alcança altas temperaturas, próximas a 70°C, indicando a intensa atividade de fungos e bactérias responsáveis pela decomposição.
O sistema funciona em ciclo: o esterco da pecuária vai para a compostagem; a compostagem gera adubo orgânico para a lavoura; a lavoura alimenta o gado; e o gado produz mais esterco.
Há ainda outro processo mais lento, feito com capim e madeira picada, que resulta num composto rico em micro-organismos usado para recuperar a vida do solo.
Os resultados já aparecem no campo. O feijão cresce com raízes mais desenvolvidas e presença de minhocas, sinais de um solo vivo. Joaninhas, que ajudam no controle de pragas, também indicam equilíbrio ecológico.
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Plantio direto e tradição familiar
A preocupação ambiental vem de longa data. O pai de Eric, Mário Van Den Broek, comprou a propriedade nos anos 1980, quando o solo ainda era degradado e ácido.
Ele decidiu apostar no plantio direto, técnica que mantém uma camada de palha sobre a terra e reduz o revolvimento do solo, evitando perda de carbono e melhorando a estrutura.
“Quanto mais palha vai compondo no lugar, que é matéria orgânica, você começa a criar os fungos e a terra não esquenta tanto”, explica Broek.
A professora Darliane Castro, do Instituto Federal Goiano, destaca que o plantio direto reduz emissões ao manter o carbono armazenado nas plantas e no solo, sem devolvê-lo para a atmosfera.
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Tecnologia para reduzir emissões
Outra estratégia adotada pela fazenda é o uso de drone elétrico para pulverização, substituindo tratores a diesel e diminuindo a liberação de CO₂.
Para implementar todas essas mudanças, Eric e Mário contam com uma rede de pesquisadores que presta consultoria. “A ciência nos ajuda a tomar decisão correta”, afirma o produtor.
Crescimento e desafios da agricultura regenerativa
Durante um encontro sobre agricultura regenerativa no Cerrado, a experiência de Eric inspirou outros agricultores e especialistas. Há cinco anos, apenas sete propriedades da região adotavam esse modelo. Hoje, são pelo menos 67.
Apesar do avanço, muitos produtores ainda têm receio de mudar. “O produtor não pode ficar sem renda, então ele tem medo de fazer essa transição”, diz o professor emérito da UFLA-MG Francisco Siqueira.
Para ele, o apoio técnico é fundamental.
Fonte da Matéria: g1.globo.com