Em 2025, lançar um álbum de rap que te faça querer levantar e dançar é, na real, um ato de ousadia. Mas foi exatamente isso que Tyler, The Creator fez com “Don’t Tap The Glass”, seu novo trabalho. A ideia é simples: larga o celular e se mexe!
O rapper, saca só, aposta no movimento corporal como forma de expressão – algo que sempre fez parte do hip-hop, mas que foi meio que esquecido com o tempo. O disco mistura a nostalgia da “era de ouro” do rap com uma visão super moderna do gênero. Afinal, “hip” é quadril, “hop” é salto. O nome já diz tudo: hip-hop nasceu pra botar o corpo pra jogo! Mas, com o passar dos anos, a dança foi ficando de lado.
A trajetória de Tyler, The Creator é fascinante. O cara de Los Angeles, cujo nome verdadeiro é Tyler Okonma, explodiu como líder do coletivo Odd Future, com letras polêmicas, atitude subversiva e shows que eram, tipo assim, uma verdadeira bagunça – chegou até a ser banido temporariamente do Reino Unido em 2015!
Ele construiu uma carreira incrível, bem multifacetada: começou com a rebeldia dos primeiros álbuns, “Goblin” e “Wolf”, passou pelo sentimentalismo de “Flower Boy” e “IGOR”, e colecionou prêmios, turnês e, claro, algumas controvérsias. Parte do público mais conservador do rap criticava a forma pouco convencional dele se expressar.
Mas, olha só, mesmo em um ambiente que valorizava a frieza, Tyler sempre buscou formas alternativas de mostrar seus sentimentos. Em clipes como “EARFQUAKE” e nas performances da era “Chromakopia”, ele dança, tropeça, se contorce, brinca – mais preocupado em deixar os sentimentos fluírem do que em parecer “cool”.
A dança, na verdade, sempre foi parte fundamental do hip-hop. Nascido nas festas das periferias de Nova York nos anos 70, criado por comunidades negras e latinas, o hip-hop tinha nas batalhas de dança, as cyphers, um elemento tão importante quanto as batalhas de rima. DJs como Kool Herc, por exemplo, eram figuras chave nessas festas.
O breakdance, ou só break, surgiu nesse contexto, misturando influências de jazz, funk, disco, soul e até artes marciais como o kung fu – que, aliás, eram super populares entre as comunidades negras da época por serem acessíveis nos cinemas locais. A dança dava autoestima, promovia a união e até ajudava a resolver conflitos entre gangues, substituindo brigas por batalhas de dança. O movimento se espalhou, criando estilos próprios em diferentes partes dos EUA, como o booty shake de Miami e o footwork de Chicago.
Mas, nos anos 90, com a ascensão do gangsta rap e a busca por uma imagem mais “durona”, a dança foi perdendo espaço. Machismo e conservadorismo fizeram com que muita gente se afastasse da pista – só restava o movimento de cabeça.
Já nos anos 2000 e 2010, as redes sociais e os celulares trouxeram um novo medo: dançar em público virou um risco de virar meme. Em um ambiente tão agressivo, o hip-hop, que nasceu da união da música com o corpo, viu seu público com o quadril travado.
“Don’t Tap The Glass”, que saiu em 2025, é um disco direto e objetivo, criado em apenas seis meses, durante a turnê do álbum anterior. A proposta? Fazer o público dançar sem vergonha! Na faixa de abertura, “Big Poe”, a mensagem já está clara: é pra mexer o corpo, celebrar as conquistas e respeitar os limites – não encoste no vidro! A “vidraça” é uma metáfora: um convite para deixar o celular de lado e, ao mesmo tempo, um pedido de respeito aos limites, criando espaços seguros para a expressão corporal.
Tyler contou nas redes sociais que, depois de uma audição do álbum, perguntou a amigos por que eles não dançavam em público. A resposta de muitos? Medo de serem filmados.
O disco todo tem esse tom: menos drama, mais ironia e autoafirmação. Músicas como “Stop Playing With Me” zoam com rivais e até com remédios para emagrecer. Já “Ring Ring Ring” e “Tell Me What It Is” abordam vulnerabilidades, mas com leveza, bem diferente da carga emocional dos trabalhos anteriores.
A capa de “Don’t Tap The Glass” é uma viagem no tempo. Tyler aparece animado, com boné vermelho, corrente de ouro e punhos em pose de b-boy – uma homenagem ao visual clássico dos anos 80. Os clipes têm estética de fita VHS, e em “Stop Playing With Me”, há referências a Jamiroquai e vídeos icônicos do rap.
A sonoridade é um flerte com o passado: samples de jazz, soul e funk, scratches e a bateria Roland TR-808, símbolo do rap dos anos 80. Tudo convida ao movimento: refrões marcantes, grooves envolventes e batidas que te puxam pra pista. As letras abandonam o tom melancólico dos álbuns anteriores e apostam no humor ácido, nos autoelogios e nas provocações. Faixas como “Sucka Free” e “Sugar On My Tongue” são ótimos exemplos.
Tyler resgata nomes e estilos regionais do hip-hop, usa samples do Busta Rhymes, faz referência à cultura pop and lock e presta homenagem não só aos MCs, mas também aos dançarinos anônimos – aqueles que precisam de coragem para se soltar.
No fim das contas, “Don’t Tap The Glass” é mais do que um álbum dançante. É um manifesto para reconectar o hip-hop ao corpo, lembrando um dos quatro pilares da cultura: DJ, MC, breakdance e grafite. Tyler, The Creator levanta a bandeira da dança, defendendo espaços onde a alegria não seja julgada, filmada ou ridicularizada. Em uma época em que poucos MCs se arriscam a fazer o público dançar, ele propõe o oposto: rir, performar, ser vulnerável – e ocupar de novo a pista do hip-hop com liberdade e verdade.
Fonte da Matéria: g1.globo.com