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Trump e Putin: O que une os dois líderes no encontro no Alasca?

Bonecas russas com os rostos de Donald Trump e Vladimir Putin. A imagem, impactante, resume bem a situação: os dois líderes se encontram nesta sexta-feira (15/8), no Alasca, para discutir o fim da guerra na Ucrânia. Olha só, mais um capítulo nessa novela das negociações capitaneadas por Trump, que, ainda na campanha de 2024, prometeu resolver o conflito em 24 horas após assumir a presidência.

Pois é, a promessa não se concretizou. Agora, ele pressiona Putin por uma solução. A reunião no Alasca foi marcada pelo republicano com apenas uma semana de antecedência, justamente no dia em que expirava o ultimato para a Rússia aceitar um cessar-fogo ou enfrentar novas sanções americanas.

Em entrevista à BBC no mês passado, Trump se disse “decepcionado” com Putin. Quando questionado sobre a confiança no líder russo, a resposta foi direta: “Não confio em quase ninguém”. Na véspera do encontro, quinta-feira (14/08), Trump declarou que, se não fosse presidente, “Putin tomaria toda a Ucrânia”, mas que, sendo presidente, “ele não vai brincar comigo”. Ele disse ainda que saberá nos primeiros minutos se o encontro será produtivo, encerrando-o rapidamente caso contrário. O objetivo? “Estabelecer a base” para um novo encontro entre Putin e Zelensky. Em entrevista à Fox News, Trump estipulou em “25%” a chance de fracasso.

A situação é complexa. De um lado, o líder da maior economia global, à frente de uma nação que se apresenta como modelo de democracia liberal. Do outro, um líder com mais de 25 anos no poder, crítico do “liberalismo ocidental”, governando uma nação com um passado comunista. Apesar dessas diferenças gritantes, analistas apontam muitas semelhanças entre Trump e Putin.

**”Bromance” e Realpolitik**

No início de 2025, a aproximação entre EUA e Rússia surpreendeu o mundo. Em fevereiro, Washington apoiou Moscou na ONU, opondo-se a uma resolução europeia condenando a ofensiva russa. Logo depois, conversas telefônicas entre Trump e Putin trataram de um possível acordo de paz, chegando até a discutir colaboração em projetos de mineração.

Mas a relação oscilou entre afagos e pressões, refletindo as tensões geopolíticas. Em março, Trump considerou as conversas “muito produtivas”, mas, diante da demora por um cessar-fogo, mudou o tom, demonstrando irritação com Putin. Mais recentemente, anunciou novas tarifas de importação para países que negociam com a Rússia, punindo a Índia como primeiro alvo. Para muitos, isso representa um afastamento. O tabloide Moskovsky Komsomolets chegou a declarar: “Uma colisão frontal parece inevitável”.

No entanto, no passado a relação foi bem diferente. Durante o primeiro mandato de Trump, os encontros entre os dois líderes transmitiam uma grande sintonia, gerando até mesmo a alcunha de “bromance” na imprensa internacional. E essa aparente amizade se refletiu em elogios mútuos.

Em 2016, ainda candidato, Trump considerou Putin um líder mais capaz que Obama. Em entrevista à NBC News, disse: “Se ele diz coisas boas sobre mim, eu digo coisas boas sobre ele. Já disse que ele é realmente um líder. O homem tem um controle muito forte sobre um país”. Trump chegou a afirmar ter simpatia por Putin e, embora negasse um relacionamento próximo, repetiu diversas vezes ter sido chamado de “brilhante” ou “gênio” pelo líder russo. Putin, por sua vez, elogiou a coragem de Trump durante uma tentativa de assassinato em 2024.

**”Homens fortes” e conservadorismo**

A admiração mútua, segundo especialistas, não é coincidência. Nina Tumarkin, do Wellesley College, destaca a imagem de “homens fortes” cultivada pelos dois líderes. Trump usou a música “Macho Man” como hino de campanha, enquanto imagens de Putin a cavalo sem camisa ou com armas foram usadas como propaganda pelo Kremlin. Tumarkin argumenta que essa imagem serve para conquistar o apoio popular, principalmente entre homens conservadores que se sentem “subestimados e impotentes”.

Vera Tolz-Zilitinkevic, da Universidade de Manchester, amplia a análise, apontando para uma “política dos homens fortes”, com táticas agressivas e desprezo pelo decoro. Ambos veem a política internacional como um jogo de poder, onde os mais fortes ditam as regras, sem se submeterem a instituições internacionais ou restrições domésticas. Essa “mão de ferro” se liga a tendências autoritárias, segundo Tolz-Zilitinkevic. Putin, consolidado como um “czar moderno”, enfrenta acusações de repressão à oposição e assassinatos políticos, que nega. Trump, por sua vez, enfrenta quatro processos criminais, incluindo conspiração para reverter sua derrota eleitoral e incitar o motim no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, acusações que também nega. Embora as práticas sejam diferentes, Tumarkin acredita que Trump “tem inveja autocrata”.

Outro ponto em comum é o conservadorismo. Ambos são acusados de homofobia e transfobia. Trump revogou políticas de diversidade, removeu referências à saúde LGBT de sites oficiais e suspendeu a emissão de passaportes com gênero “X”. Putin proibiu a “propaganda de relações sexuais não tradicionais” e classificou o movimento LGBT como extremista.

Benjamin Teitelbaum, da Universidade do Colorado, aponta a influência do Tradicionalismo, um conservadorismo clássico que rejeita a modernidade, em ambos os líderes. Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, e Alexandr Dugin, ideólogo de Putin, são citados como figuras-chave. Embora não haja evidências de um estudo profundo da doutrina, a valorização de ideias conservadoras une Trump e Putin, segundo Teitelbaum. A defesa de valores conservadores é recente em Putin, que antes defendia a aproximação da Rússia ao Ocidente. Teitelbaum vê o conservadorismo de Putin como uma estratégia contra o Ocidente.

**Nacionalismo, Populismo e Ecos do Imperialismo**

Trump e Putin são frequentemente classificados como nacionalistas e populistas. Putin exalta a grandeza russa, enquanto o nacionalismo de Trump se manifesta no lema “Make America Great Again”. Ambos usam uma linguagem simples e direta que ressoa com setores da população marginalizados pela política tradicional, segundo especialistas. Vinícius Vieira, da FGV, destaca o nacionalismo étnico-religioso de ambos, com a criação de uma identidade nacional dominante. Enquanto Putin vê o Ocidente como ameaça, Trump faz o mesmo com imigrantes, o establishment, a imprensa e países que ameaçam a soberania americana.

Vera Tolz-Zilitinkevic aponta para ambições imperialistas em ambos. Putin busca expandir as fronteiras da Rússia, e as ameaças de Trump sobre a Groenlândia, o Canal do Panamá e o Canadá ecoam essa abordagem.

**Interesses Geopolíticos e Econômicos**

A aproximação entre Trump e Putin em 2025 também teve motivações pragmáticas. Trump sempre priorizou o fim da guerra na Ucrânia, vendo conflitos de grande escala como um desperdício de recursos. Os EUA assinaram um acordo para exploração mineral na Ucrânia, contribuindo para a reconstrução pós-guerra. Para a Rússia, a aproximação com os EUA pode trazer legitimidade e reduzir as sanções. Trump também pode buscar expandir os laços comerciais com a Rússia e afastar a Rússia da China, replicando a estratégia da Guerra Fria, segundo analistas.

**Um futuro incerto**

Steve Rosenberg, editor de Rússia da BBC News, destaca a baixa expectativa de um acordo no encontro do Alasca. Putin não demonstra desejo de cessar fogo, e Trump está cada vez mais frustrado, aumentando a tensão com ameaças e prazos. A professora Nina Khrushcheva, da Nova Escola, acredita que Putin não levará Trump a sério e que só cederá se a Ucrânia se mostrar disposta a aceitar suas condições.

*Esta matéria foi publicada originalmente em maio de 2025 e atualizada.

Fonte da Matéria: g1.globo.com