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Texas proíbe chineses de comprar imóveis: segurança nacional ou xenofobia?

Jason Yuan, um americano naturalizado de origem chinesa, dono de uma loja de carros usados no Texas, tá perplexo. A vida dele, que sempre considerou o Texas seu lar, virou de cabeça pra baixo com uma nova lei estadual. A partir de 1º de setembro, o Projeto de Lei 17 do Senado do Texas (SB 17) proíbe cidadãos e empresas da China, Irã, Coreia do Norte e Rússia de comprar ou alugar imóveis no estado. Olha só que situação!

As autoridades garantem que a medida visa proteger a segurança nacional. Mas pra Yuan, e pra muita gente, a lei tem um cheirinho forte de discriminação. “É anti-asiática, anti-imigrante e, principalmente, contra os sino-americanos”, esbravejou o deputado estadual Gene Wu, democrata e um dos principais opositores da lei. Ele chegou a afirmar à BBC que a medida pode afugentar investimentos milionários do Texas, fazendo com que empresas busquem outros estados para investir.

Sancionada em 20 de junho pelo governador republicano Greg Abbott, que a chamou de “a proibição americana mais severa” contra “adversários” estrangeiros, a lei realmente é pesada. Ela impede a aquisição de qualquer tipo de propriedade – casas, comércios, terras agrícolas – e limita os contratos de locação a menos de um ano. A China é o primeiro país citado no texto, acusada de usar “atividades coercitivas, subversivas e malignas” para enfraquecer os EUA. A multa por descumprimento? Mais de US$ 250 mil (cerca de R$ 1,3 milhão) ou até prisão! Cidadãos americanos e portadores de green card estão isentos, e quem tem visto válido pode ter uma residência principal. Mas, mesmo com essas exceções, a lei gera muita insegurança e abre espaço para interpretações dúbias, podendo prejudicar qualquer pessoa com “aparência chinesa”.

Em julho, a Aliança de Defesa Legal Sino-Americana (CALDA) entrou com uma ação judicial em nome de três estudantes e trabalhadores chineses, alegando inconstitucionalidade. O juiz, porém, rejeitou o processo, argumentando que os autores não seriam diretamente afetados. A CALDA já recorreu da decisão. A incerteza, principalmente para os titulares de visto dos quatro países citados, continua.

A comunidade chinesa no Texas, que somava pelo menos 120 mil pessoas em 2023, é a mais afetada. Qinlin Li, recém-formada pela Universidade Texas A&M e autora do processo, ficou chocada. “Se não houver direitos humanos, voltaremos para 150 anos atrás, quando éramos como os operários das ferrovias”, desabafou ela, que passou por grande estresse ao ter que se mudar às pressas por causa da insegurança gerada pela lei. Na real, a situação dela e de tantos outros é preocupante.

Jason Yuan, além de dono da loja, é um ativista engajado. Antes da aprovação da lei, ele participou de protestos e audiências públicas, chegando a propor um nome alternativo para a lei: “Ato de Exclusão dos Chineses de 2025”, uma referência direta ao Ato de Exclusão dos Chineses de 1882, que proibiu a imigração de trabalhadores chineses nos EUA. “Proibir a compra da casa própria para pessoas como eu com base no país de origem é discriminatório por natureza”, afirmou Yuan à BBC. Ele até levou o filho de 13 anos para um protesto, mostrando a ele a importância da resistência.

A preocupação de Yuan não se limita à questão pessoal. Como pequeno empresário, ele teme os impactos financeiros, já que muitos de seus clientes são imigrantes chineses. E o problema não afeta só as pequenas empresas. Companhias chinesas gigantes também estão preocupadas. Entre 2011 e 2021, 34 empresas chinesas investiram US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 14,6 bilhões) no Texas, gerando 4.682 empregos. Agora, muitas estão buscando alternativas a esse estado. Nancy Lin, corretora de imóveis comerciais em Dallas, relatou à BBC que vários clientes chineses suspenderam planos de investimento em setores como veículos elétricos e painéis solares.

O direito à posse de terras é uma luta histórica para os sino-americanos. Até 1965, uma lei no Texas restringia a compra de terras por estrangeiros sem cidadania americana. A norma foi revogada por ser considerada “injustificável e discriminatória”. Será que a história está se repetindo?

A justificativa de segurança nacional, usada pelo governador Abbott, é questionada por muitos. Seu gabinete citou declarações anteriores em que ele afirma que “adversários estrangeiros hostis”, como a China, “não podem ter terras no Texas”. Chuck DeVore, do think tank Texas Public Policy Foundation, defende a lei, ressaltando a necessidade de manter “regimes hostis longe de nossas bases militares e infraestrutura”. Um dos motivos para a lei, segundo ele, seria a compra de 140 mil acres por Sun Guangxin, para um parque eólico perto de uma base aérea. Embora inicialmente aprovado, o projeto foi barrado depois que o Texas aprovou uma lei proibindo contratos com certas empresas estrangeiras em “infraestrutura crítica”. Em 2024, o senador John Cornyn acusou Sun de ter planos de vigilância a serviço de Pequim, acusação que Sun nega.

Um relatório do Center for Strategic and International Studies (CSIS) registrou 224 casos de espionagem atribuídos à China entre 2000 e 2023. Especialistas em segurança nacional reconhecem o aumento das ameaças do PCC, mas outros, como Patrick Toomey, da ACLU, afirmam que as autoridades estão confundindo o povo chinês com o governo chinês. “Não há evidência de que a segurança nacional tenha sido afetada por chineses que compraram ou alugaram imóveis residenciais no Texas”, disse ele.

Especialistas também questionam a necessidade da lei sob o ponto de vista regulatório, afirmando que questões desse tipo deveriam ser tratadas pelo governo federal. Essa nova lei do Texas, na verdade, não é um caso isolado. Desde 2021, 26 estados americanos aprovaram leis semelhantes, a maioria sob controle republicano. A maior parte dessas leis foi sancionada a partir de 2023, após o episódio do balão espião chinês. O governo Trump, inclusive, já havia demonstrado intenção de proibir cidadãos chineses de comprar terras agrícolas nos EUA.

“A lei do Texas deveria soar como um alarme”, alerta Toomey. Pra ele, a legislação transforma alegações de segurança nacional em armas contra imigrantes asiáticos. Yuan teme que, se a comunidade sino-americana não resistir, leis semelhantes sejam aprovadas em outros estados. Ohio, por exemplo, estuda uma lei ainda mais restritiva. “Eles estão tentando reescrever as regras da democracia”, disse Yuan. “Mas ainda há chance de mudar o rumo. Caso contrário, os EUA se tornarão muito mais parecidos com a China.”

Fonte da Matéria: g1.globo.com