O economista Samuel Pessôa, do BTG Pactual e do FGV Ibre, acredita que as tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil podem, surpreendentemente, beneficiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2026. Em entrevista à BBC News Brasil, Pessôa explicou sua análise: Lula teria um incentivo estratégico a *não* retaliar as medidas de Trump. “Do ponto de vista eleitoral, pura conta mesmo, Lula tem motivos para não revidar”, afirmou Pessôa. “Se ele não retaliar, a gente pode ver uma leve desinflação a médio prazo.”
A ideia é a seguinte: com tarifas maiores sobre produtos brasileiros nos EUA – como laranja e café – os americanos compram menos. Sobram, então, mais laranjas e cafés no mercado interno brasileiro, o que, em tese, diminui os preços. Uma parte da produção também é redirecionada para outros mercados, mas uma parcela significativa fica por aqui, exercendo pressão para baixo sobre os valores.
Pessôa reconhece que a situação é complexa. A queda de preços não é automática. Afinal, carne, café e laranja são *commodities*, com preços internacionais influenciados por diversos fatores. “A carne, por exemplo, teve uma boa folga de preços, porque o inverno foi menos severo que o normal, e a pastagem melhorou. Mas a menor demanda americana *deve* ter tido algum impacto sim.” Ele argumenta que a comparação ideal não é entre o preço de hoje e o de ontem, mas sim entre o preço atual e o que seria se as tarifas não existissem. “A discussão é bem complexa, viu?”, pondera.
Sobre a exportação de carne, que caiu 80% desde abril, Pessôa admite que o impacto na inflação ainda não é tão visível no IPCA. Mas ele acredita que o efeito desinflacionário será mais significativo em produtos como suco de laranja, onde a dependência do mercado americano é muito maior.
O economista destaca que, a longo prazo, o fechamento do comércio é prejudicial a todos, incluindo o Brasil e os EUA. Sua análise se concentra no curto e médio prazo, especialmente na proximidade das eleições. “A médio prazo, é péssimo. Mas estamos a pouco mais de um ano das eleições. Essa possível desinflação pode ajudar o Lula eleitoralmente”.
Ele defende que, mesmo que a retaliação possa ser uma ferramenta de barganha, o Brasil, nesse momento, tem pouco poder de pressão sobre os EUA. “Se a gente se vê com pouca força de barganha, o melhor para o bem-estar do Brasil é não revidar.”
Pessôa também comenta a necessidade de socorrer os setores mais prejudicados, por meio de crédito extraordinário, mesmo que isso afete as contas públicas. No entanto, ele enfatiza a importância de definir um prazo claro para o fim desses programas, evitando que se tornem “direitos adquiridos”. Ele cita o exemplo do Perse, programa de apoio ao setor de eventos, que se estendeu muito além do necessário. “No Brasil, a gente transforma tudo em direito adquirido rapidinho. Tem que ter um fim previsto, bem claro.”
Em relação ao acordo entre Trump e a União Europeia, Pessôa avalia que os europeus “ajoelharam no milho” para o presidente americano. Ele também explica por que Xi Jinping, presidente da China, poderia ser mais firme em negociações com Trump do que líderes de países democráticos, pois não tem a pressão de eleições. Pessôa discorda respeitosamente do Nobel de Economia Paul Krugman, que defendeu que o Brasil tem pouco a perder retaliando Trump.
Pessôa reiterou sua previsão de “pouso suave” para a economia brasileira, com crescimento de 2% em 2023 e 1,5% em 2024, desaceleração que não deve afetar muito o mercado de trabalho. Ele acredita que as tarifas de Trump não alteram significativamente esse cenário, e que Lula deve chegar às eleições de 2026 com a economia em situação razoável. “Mas será uma eleição muito disputada, isso é certo”, conclui. A economia, no entanto, deve ajudar o presidente, na sua visão.
Fonte da Matéria: g1.globo.com