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Tarifa de Trump: Por que a China não é solução para o Brasil

Com a ameaça de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros nos EUA batendo à porta – a data limite era 1º de agosto – o governo brasileiro corre contra o tempo. A negociação com a equipe de Donald Trump tá a todo vapor. Olha só: uma delegação de senadores brasileiros se reuniu com a Câmara de Comércio americana na segunda (28/7), buscando diálogo com parlamentares. Em outra frente, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) conversou com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick, pra tentar garantir exceções à taxação.

Enquanto isso, a tensão aumenta. Na segunda (28/7), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, declarou que o país estaria pronto a colaborar com o Brasil para “defender o sistema multilateral de comércio baseado na OMC e proteger a justiça e a equidade internacional” – uma indireta clara à tarifa americana. Questionado sobre maior abertura comercial para o Brasil, Jiakun respondeu que a China está disposta a “promover a cooperação com base em princípios de mercado”.

Mas será que o Brasil pode simplesmente redirecionar suas exportações para a China? A resposta, segundo especialistas, é: não tão simples assim.

**Parceiros gigantes, mas com interesses diferentes:**

Apesar de serem os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, EUA e China têm demandas bem distintas. “Nossa pauta de exportações para os EUA é muito específica”, explica Lívio Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV e sócio da BRCG. A lista é bem diversificada, com muitos produtos manufaturados, incluindo bens finais como aviões, além de bens intermediários, como lingotes de aço, processados nos EUA antes da venda ao consumidor final.

Já as exportações para a China se concentram em poucos produtos básicos. De janeiro a junho de 2024, 40% dos US$ 47,7 bilhões exportados para a China foram de soja. Petróleo (19%) e minério de ferro (17%) também dominaram as vendas. Os dados do MDIC mostram essa diferença gritante.

**China critica o “tarifaço” e acusa os EUA de coerção.**

Entre os produtos que *poderiam* ser redirecionados, Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, cita petróleo, carne bovina e minério de ferro – itens já exportados para ambos os países. Mas tem um porém: o mercado de minério de ferro já tá saturado, com preços baixos. Mesmo que o Brasil consiga vender mais, provavelmente será a preços ainda menores.

Klein admite que a China *poderia* absorver parte do excedente por estratégia geopolítica, mas ressalta a dificuldade em separar geopolítica de interesse econômico. A imprevisibilidade de Trump, que já voltou atrás em decisões sobre tarifas, e a possibilidade de retaliação brasileira tornam as previsões ainda mais complexas. Lula, em entrevista à Rede Record em 10 de julho, afirmou que negociaria com Trump, mas que aplicaria tarifas de reciprocidade (50%) caso não houvesse acordo.

Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da BMJ, lembra que vários produtos foram excluídos da tarifa de 10% imposta pelos EUA em abril (lista no anexo da ordem executiva de Trump). Se essas isenções se mantiverem, petróleo e derivados estariam fora. Barral acredita que, com a tarifa de 50%, as commodities sofreriam menos impacto, sendo exportadas para outros destinos, mesmo com preços menores. Isso valeria para o café, embora os EUA teriam dificuldades em encontrar um substituto para o café brasileiro, que representa cerca de um terço de suas importações (dado destacado pelo Cecafé). “O consumidor americano é quem vai pagar a conta”, disse Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé.

**Setores em alerta:**

O setor de suco de laranja, por exemplo, fez um prognóstico pessimista. Os EUA representam 41,7% de suas exportações. A CitrusBR afirma que a tarifa, somada à sobretaxa já existente, criaria uma situação insustentável. A Europa, principal mercado do suco brasileiro (52% das exportações), provavelmente não absorveria os excedentes sem uma queda drástica nos preços.

Em geral, produtos industrializados são os mais vulneráveis. Barral cita as autopeças, com muito comércio intrafirma e produtos certificados, difíceis de redirecionar. Klein destaca o setor de alta tecnologia, com forte presença nos EUA. A indústria aeronáutica, por exemplo, além de exportar para os EUA, compra peças americanas – uma guerra comercial poderia aumentar custos e afetar investimentos. Um relatório do Itaú BBA de 10 de julho aponta a Embraer (60% da receita da América do Norte, 46% potencialmente afetados pelas tarifas) e a Weg (25% da receita da América do Norte, 7% expostos) como empresas potencialmente impactadas.

**Mais política que economia?**

Uma das justificativas de Trump para as tarifas são os déficits comerciais americanos. Mas a balança comercial EUA-Brasil é superavitária para os EUA (US$ 283,8 milhões em 2023 e US$ 1,67 bilhão de janeiro a junho de 2024). Analistas veem a tarifa como uma decisão mais política, ligada ao processo contra Bolsonaro.

“Do ponto de vista econômico, não faz sentido”, afirma Klein (FEA/USP). “É quase uma sanção econômica, uma interferência na política interna do Brasil.” Trump acusou o Brasil de perseguição a Bolsonaro e cerceamento da liberdade de expressão de americanos, referindo-se a decisões do STF. Lula respondeu que o Brasil é soberano e não aceitará tutelagem. O processo contra os envolvidos na tentativa de golpe, segundo Lula, é de competência exclusiva da Justiça Brasileira.

Fonte da Matéria: g1.globo.com