A falta de reação contundente da comunidade internacional às medidas unilaterais de Donald Trump, como tarifas e sanções, parece, na verdade, resultado de um “desmonte racional” do sistema multilateral, avaliam especialistas ouvidos pelo g1. Afinal, quem vai frear o presidente americano? A ausência de acordos globais e o enfraquecimento das instituições internacionais são os principais culpados, segundo eles.
“Nos últimos anos, a gente tem visto um desmonte sistemático do sistema multilateral. No caso das tarifas de Trump, a OMC (Organização Mundial do Comércio) seria a principal responsável por intervir, mas, desde o primeiro mandato dele, a organização tá com sérios problemas de funcionamento”, explica Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais. Ela completa: “Isso é um desmonte racional, uma tendência que começou no primeiro mandato de Trump e o governo Biden não conseguiu reverter. A OMC ficou muito mais fraca, prejudicando qualquer tentativa de conter as ações protecionistas de Trump”.
Desde sua volta à presidência em 2025, Trump tem imposto uma série de sanções a diversos países, incluindo aliados. As ações variam de restrições econômicas, como tarifas, a medidas políticas, como punições a autoridades brasileiras. Recentemente, o governo americano revogou os vistos do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de familiares dele e de outros brasileiros: Mozart Júlio Tabosa Sales, secretário do Ministério da Saúde, e Alberto Kleiman, ex-funcionário do governo. Olha só: o secretário de Estado americano, Mario Rubio, anunciou na quarta-feira (13) que a medida contra Sales e Kleiman se deve ao programa Mais Médicos.
Brasil na OMC: Mais Símbolo do que Ação?
No início do mês, o governo Lula entrou com uma ação na OMC contra o tarifaço de Trump, alegando violação flagrante dos compromissos assumidos pelos Estados Unidos ao ingressarem na organização. As regras da OMC são claras: medidas unilaterais são proibidas, e disputas comerciais devem ser resolvidas internamente. Mas, na prática, a ação brasileira pode acabar engavetada. Por quê? Simples: se os EUA recorrerem, a “Corte Suprema” da OMC, o Órgão de Apelação, está inoperante desde que Trump vetou a nomeação de juízes, lá em 2019.
“A gente fica na dúvida sobre como isso vai ser julgado e se vai virar um grande imbróglio jurídico. Pode entrar num limbo. Talvez seja preciso pensar em entrar com algum processo nos EUA, com base na legislação americana”, avalia Pablo Bernardo, especialista em direito internacional.
O processo na OMC segue estes passos:
1. **Pedido de consultas:** O Brasil tenta um diálogo com os EUA (até 60 dias).
2. **Painel:** Sem acordo, a OMC forma um grupo de especialistas para analisar o caso.
3. **Decisão:** O painel emite um relatório sobre a violação ou não das regras pelos EUA.
4. **Apelação (ou não):** Os EUA podem recorrer, mas o Órgão de Apelação não funciona.
5. **Retaliação:** Sem apelação, o Brasil pode pedir autorização para retaliar os EUA.
União Internacional: Uma Alternativa Difícil
Especialistas acreditam que uma resposta coordenada dos países afetados seria uma boa alternativa à ineficiência da OMC. Mas, na real, isso é bem complicado. A falta de consenso entre os países, devido a fatores políticos, econômicos e geopolíticos, pode atrasar muito esse processo.
“Uma frente unida é difícil. A União Europeia, na maioria das vezes, se alinha com os EUA. Então, o Brasil precisa buscar coalizões, superar essas dificuldades por meio de alianças Sul-Sul”, sugere Pecequilo.
Brics: Uma Frente em Construção
O Brasil tem tentado uma resposta conjunta com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Lula já conversou com representantes da Rússia, China e Índia, a última conversa foi com Xi Jinping, na segunda-feira (11).
“O clima é favorável: China e Índia criticam o protecionismo americano e defendem a OMC e o sistema multilateral. Mas, a construção de um posicionamento conjunto vai depender da conciliação de prioridades nacionais, que nem sempre são compatíveis”, afirma Apolinário.
Um cenário ainda mais complexo surgiu nesta sexta-feira (15), com a reunião entre Trump e Putin no Alasca. Enquanto Trump ameaça os Brics com tarifas, ele também atua como negociador no conflito na Ucrânia. Isso pode gerar ruído político e desviar a atenção para questões de segurança e geopolítica, enfraquecendo a coesão em torno da agenda comercial. Apesar disso, uma resposta coordenada ainda não está totalmente descartada, desde que o grupo se mantenha focado nas questões econômicas.
Fonte da Matéria: g1.globo.com