Adivinha? Quando eu tinha 15 anos, queria ser jornalista só pra conseguir uns CDs de graça, sabe? Mas logo achei um motivo bem melhor: ir a shows de graça! E, tipo, na véspera do vestibular, apareceu um DVD de “Quase Famosos” na minha vida. Duas horas e dois minutos que condensaram tudo o que eu imaginava sobre ser jornalista musical.
De repente, vi que era possível viver da música sem precisar dos holofotes. Escrever e falar sobre ela já era o suficiente! E olha só, esse filme, que faz 25 anos agora, não me impactou sozinho. Nos anos seguintes, “Quase Famosos” virou febre entre quem era novo demais pra assistir nos cinemas. Se tornou uma espécie de guia musical, quase um manual de jornalismo, um tanto inusitado, diga-se de passagem.
O diretor, Cameron Crowe – que também é jornalista musical, hein? – sabia muito bem o que estava fazendo. Ele mesmo viveu essa adolescência maluca nos anos 70, começando a trabalhar na “Rolling Stone” quando ainda era colegial! Essa experiência virou o melhor roteiro original do Oscar em 2001, e ainda levou dois Globos de Ouro: Melhor Filme (Comédia ou Musical) e Melhor Atriz Coadjuvante pra Kate Hudson. Incrível, né?
A “Rolling Stone”, que aparece em peso no filme, chegou a chamar “Quase Famosos” de “um clássico instantâneo sobre amadurecimento e música”. Sites como Rotten Tomatoes e Metacritic deram notas altíssimas: 89% de aprovação e 90 de 100, respectivamente. Era difícil não se apaixonar por essa “carta de amor ao jornalismo musical”, como o próprio Crowe definiu.
O filme foi tão poderoso que até ressuscitou “Tiny Dancer”, do Elton John, usada numa cena crucial no ônibus da banda fictícia Stillwater. Mas “Quase Famosos” não é só nostalgia de rock clássico, shows lotados e cadernos cheios de anotações. O filme mostra o dilema do jovem jornalista William Miller: revelar os podres da banda que ele admira ou escrever uma matéria “maquiada”, ignorando tudo o que viu naquela turnê turbulenta?
Apesar da tentação de ser bonzinho com a banda (e quem sabe, até virar amigo deles!), o garoto escolhe o caminho certo: reportar. Ele contou tudo: as brigas, a dificuldade de lidar com a fama, os quase acidentes, as drogas, os egos inflados… A verdade pura e simples.
Com o sucesso de “Quase Famosos” e de seu filme anterior, “Jerry Maguire”, Crowe deixou o jornalismo. Mas sua carreira como cineasta teve mais altos e baixos, mostrando como é difícil repetir o sucesso de uma obra quase autobiográfica. Ainda assim, ele conta que recebe mensagens de jovens jornalistas que escolheram a profissão inspirados nele. Que responsa, né?
Lester Bangs (1948-1982), o crítico interpretado por Philip Seymour Hoffman, é uma espécie de mentor do protagonista. E representa um estilo de crítica que talvez não exista mais. Nos anos 70, Bangs, da revista “Creem”, escrevia com sarcasmo e exagero. Era cruel, engraçado, desconcertante. Para ele, a função do crítico era cutucar, jamais bajular o artista. A frase dele, “Artista não é amigo, e eles só fingem que são nossos amigos pra gente falar bem deles”, resume tudo.
A maior parte do jornalismo musical de hoje parece ter esquecido dessa postura. A partir dos anos 2000, a cultura pop virou mainstream, e a crítica ácida perdeu espaço. O crítico atual precisa sorrir, ser positivo, quase um influenciador. É mais fácil elogiar do que encarar a fúria de um fandom organizado. A Taylor Swift, por exemplo, indica as resenhas que gosta e marca os jornalistas. Quem não quer o aval de uma das maiores popstars do mundo? O problema é que, nesse jogo, a crítica pode se transformar em publicidade disfarçada.
Em “Quase Famosos”, Lester Bangs e William Miller são as popstars das palavras. Hoje, muitos críticos fazem de tudo por uma selfie com o popstar de verdade. Uma pena, né?
Fonte da Matéria: g1.globo.com