A semana de moda masculina de Milão, em junho, viu a Prada apresentar um calçado que, segundo a marca, era simplesmente uma “sandália de couro”. Simples assim? Nada disso! Acontece que essa sandália, uma rasteirinha de design minimalista, causou um rebuliço enorme. Especialistas e artesãos indianos a reconheceram imediatamente: era uma cópia descarada das tradicionais Kolhapuri, sandálias artesanais da cidade de Kolhapur, em Maharashtra, oeste da Índia. O design, com seus intrincados trançados, tem raízes que remontam ao século XII!
Olha só a diferença de preço: enquanto as sandálias da Prada, que ainda nem estão à venda, devem custar mais de mil euros (cerca de R$ 6.400), as autênticas Kolhapuri são encontradas em mercados locais por aproximadamente 10 euros (por volta de R$ 63,90). Uma diferença gritante! Nas redes sociais, a fúria foi imediata: acusações de apropriação cultural choveram sobre a Prada.
A Câmara de Comércio de Maharashtra não ficou de braços cruzados. A entidade pediu, formalmente, que a grife italiana reconhecesse as origens indianas do design. E a resposta veio na forma de uma carta de Lorenzo Bertelli, chefe de responsabilidade social corporativa da Prada (e filho dos donos da empresa!), à câmara. Segundo a Reuters, Bertelli admitiu que as sandálias foram inspiradas no calçado tradicional indiano, destacando a rica herança cultural envolvida. Ele também pontuou que o calçado ainda está em desenvolvimento e pode nem chegar às lojas. Além disso, Bertelli garantiu que a Prada está “comprometida com práticas responsáveis de design, promovendo o engajamento cultural e abrindo um diálogo para uma troca significativa com as comunidades artesãs indianas locais”. Hum… a gente espera ver isso acontecer, né?
Aliás, essa não é a primeira vez que marcas de luxo são acusadas de plagiar designs tradicionais. Estilistas frequentemente se veem em situações parecidas, copiando sem dar os devidos créditos. Em 2014, por exemplo, uma sandália preta lisa da Paul Smith, vendida por um preço 20 vezes maior que o equivalente paquistanês, foi acusada de copiar a tradicional Peshawari (ou Charsadda). Após protestos nas redes e uma petição online, Smith teve que adicionar à descrição do produto que ele havia sido “inspirado pela Peshawari”.
Para evitar novas controvérsias, a Câmara de Comércio de Maharashtra decidiu patentear as sandálias Kolhapuri. As rasteirinhas, famosas pela durabilidade, já contavam com uma indicação geográfica dentro da Índia – um selo que proíbe cópias sem autorização ou compartilhamento de lucros. Até 2024, existiam 603 produtos com essa proteção.
O caso, acreditem, chegou ao Judiciário indiano. Segundo a Al Jazeera, Dhananjay Mahadik, parlamentar de Kolhapur e aliado do primeiro-ministro Narendra Modi, apoia os fabricantes que entraram com uma ação contra a Prada na Alta Corte de Bombaim. Esses artesãos, diga-se de passagem, enfrentam dificuldades com a falta de matéria-prima, tendo o acesso ao couro prejudicado por políticas governamentais de proteção às vacas – animais considerados sagrados pelos hindus.
É importante destacar que, apesar da marginalização histórica, são os artesãos da comunidade dalit – o grupo mais marginalizado das castas indianas – que dominam as técnicas complexas de criação das Kolhapuri. Após o partido de Modi, o BJP, assumir o poder em 2014, extremistas nacionalistas hindus intensificaram ataques a quem transportava vacas para abate, afetando principalmente dalits e muçulmanos. O Dalit Voice, grupo de direitos humanos, enfatizou que as sandálias Kolhapuri representam muito mais do que moda: “um legado do artesanato e da resiliência dalit. Elas são história, identidade e resistência”, afirmaram no Instagram. “Respeitem as raízes.” Acho que essa frase resume bem a situação.
Fonte da Matéria: g1.globo.com