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O Samba e a Existência: Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça em um ensaio filosófico

Olha só que incrível! O livro “Caminho da Existência – Nelson Cavaquinho & Cartola & Carlos Cachaça”, da pesquisadora Eliete Negreiros (Edições Sesc), cruza os caminhos de três gigantes do samba: Angenor de Oliveira (Cartola, 11/10/1908 – 30/11/1980), Carlos Moreira de Castro (Carlos Cachaça, 03/08/1902 – 16/08/1999) e Nelson Antônio da Silva (Nelson Cavaquinho, 28 ou 29/10/1911 – 18/02/1986). A capa, com ilustrações de Cássio Loredano, já entrega a riqueza do conteúdo: os três bambas, inseparáveis na história do samba e da Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro – aliás, Cartola e Carlos Cachaça foram fundadores da escola, em 1928.

Na real, a obra vai além de uma simples biografia. Eliete mergulha na filosofia presente nas letras desses compositores, mostrando como eles retrataram a vida, com suas alegrias e dores, em sambas que ecoam até hoje. Afinal, a gente se identifica com a poesia deles, né? Esses caras, vindos das raízes mais humildes do Morro da Mangueira, conseguiram transcender as dificuldades e conquistar seu espaço na cultura brasileira.

O título, “Caminho da Existência”, é uma homenagem ao poema de Carlos Cachaça, de 1930, musicado depois por Delcio Carvalho (1939-2013), em data não precisada, e gravado em 1996 no álbum “Afinal”.

O livro é dividido em três ensaios. O primeiro, “O Samba de Nelson Cavaquinho – Amor, Sofrimento e Morte”, descreve a vida boêmia e a obra desse compositor lendário, que, sem papas na língua, explorou os espinhos da existência em seus sambas. A autora cita parcerias marcantes com nomes como Guilherme de Brito (1922-2006), Alcides Caminha (1921-1992) e Amâncio Cardoso (cuja data de nascimento e falecimento são desconhecidas), autor da letra de “Luz Negra” (1964), inicialmente um instrumental de Baden Powell (1937-2000), lançado em disco em 1961. Eliete se concentra mais nas letras do que nas vidas dos compositores. É através delas que ela explora a beleza trágica da existência.

E sabe o que é incrível? Ela usa citações de filósofos como Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) e Simone de Beauvoir (1908-1986) para enriquecer sua análise, como na discussão sobre velhice e finitude em “Degraus da Vida” (Nelson Cavaquinho, César Brasil e Antônio Braga, 1950).

Já o ensaio “Cartola – Samba, Delicadeza e Amor” ilumina o lirismo do parceiro de Elton Medeiros (1930-2019) em “O Sol Nascerá” (1964). Eliete analisa os dois primeiros álbuns de Cartola (ambos com o nome “Cartola”, lançados em 1974 e 1976), além de “Verde que te Quero Rosa” (1977) e “Cartola 70 Anos” (1979). Ela destaca a luz solar de sambas como “Corra e Olhe o Céu” (Cartola e Dalmo Castello, 1974), mas também a moral rígida presente em “O Mundo é um Moinho” (1976), uma das obras-primas do compositor.

Por fim, o ensaio sobre Carlos Cachaça, “Os Sambas de Carlos Cachaça – O Caminho da Existência”, é o mais curto, mas também o de maior valor documental. Afinal, a vida e obra de Cachaça são menos conhecidas do que as de Cartola e Cavaquinho. Compositor desde 1922 (“Não me Deixaste Ir ao Samba em Mangueira”), ele só lançou seu primeiro (e único) álbum solo em 1976. Eliete discute músicas como a valsa “Clotilde”, dedicada à sua companheira, e a obra-prima “Alvorada” (1968), parceria de Cachaça com Cartola (música e letra da primeira parte) e Hermínio Bello de Carvalho (letra da segunda parte, música de Cartola). “Alvorada” irradia poesia e esperança, ao passo que “Não Quero Mais Amar a Ninguém” (Cartola, Carlos Cachaça e Zé da Zilda, 1936) retrata o desencanto.

Em suma, “Caminho da Existência” é uma leitura essencial para quem aprecia o samba e a filosofia da vida. É uma jornada emocionante entre a luz e a sombra, a alegria e a tristeza, a esperança e a desilusão – sentimentos tão bem representados pela genialidade desses três bambas. Recomendo! ⭐⭐⭐½

Fonte da Matéria: g1.globo.com