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“O mundo também é nosso”: Mulheres negras desafiam obstáculos e inspiram outras a viajar

A trágica morte de Juliana Marins, uma brasileira de 26 anos que caiu de um penhasco durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, gerou comoção e revolta em diversas mulheres negras viajantes. O caso reacendeu a discussão sobre os desafios enfrentados por elas em suas aventuras pelo mundo. “Já é difícil a gente viajar, e quando acontece algo assim, a gente é esquecida, nossa segurança é negligenciada”, lamenta Rebecca Aletheia, escritora, guia de viagens e fundadora do Bitonga Travel, um coletivo que reúne mulheres negras viajantes. Aretha Duarte Freitas, a primeira mulher negra latino-americana a conquistar o topo do Everest, reforça: “Ela não fez nada de errado. Estava em grupo, com guia. A sociedade deveria nos proteger!”.

Rebecca, Áika, Patrícia e Aretha, mulheres que colecionam experiências em diferentes cantos do planeta, enfatizam a importância de continuar viajando, ocupando espaços e honrando a memória de Juliana. “A gente tem o direito de ser livre, de viajar sozinha, de estar onde quiser”, afirma Aretha com firmeza. Suas histórias inspiradoras mostram a força e a resiliência dessas mulheres que desafiam barreiras sociais e culturais.

Aretha Duarte Freitas, 41 anos, orgulhosa de sua trajetória na periferia de Campinas, conquistou o topo do Everest após vender mais de 130 toneladas de material reciclado e conseguir patrocínios. “As pessoas negras do Brasil não estão no Everest por falta de motivação ou capacidade, mas por falta de oportunidade”, ressalta Aretha, explicando que a falta de acesso à educação de qualidade e recursos financeiros limita as chances para muitos. O investimento para a sua escalada, por exemplo, foi de cerca de R$ 400 mil. Para ela, chegar ao topo foi uma forma de mostrar a outras mulheres que é possível, abrindo caminho para as próximas. Atualmente, além de empreendedora social e palestrante, Aretha guia grupos de mulheres em montanhas ao redor do mundo. “As mulheres querem viajar, escalar, fazer trilhas… O que as impede são as crenças sociais limitantes. A ideia de não ser capaz, de ter que se dedicar totalmente à família, de precisar de autorização…”, explica. Seu conselho? “Que a gente sempre junte forças para acreditar em nós mesmas e nunca parar onde os outros querem, mas onde a gente deseja!”

Rebecca Aletheia, 39 anos, paulistana de Santo André, com o lema “sou livre e o mundo é meu”, já visitou 50 países! Criou o Bitonga Travel para inspirar outras mulheres negras a explorar o mundo. O coletivo organiza viagens e já reuniu mais de 200 mulheres. “Eu quero viver, conhecer o mundo, e esses obstáculos não podem me parar”, afirma. Ela destaca que o primeiro obstáculo é financeiro: “A gente ganha menos que o resto da população”. Além disso, o racismo estrutural impede a libertação mental e o sentimento de pertencimento. “É raro ver mulheres negras ocupando esses espaços. E quanto mais escura a pele, menos a gente vê”. Rebecca relata ter sofrido esquecimentos e exclusões em viagens, inclusive em grupos de brasileiras brancas. “O caso da Juliana foi um corpo negro deixado para trás”, diz, emocionada. Apesar de tudo, ela garante que vale a pena: “Além dos perrengues, tem muita coisa boa. O mundo se abre quando a gente se entrega, e muitas coisas boas vêm!”

Patrícia Batista, 35 anos, brasiliense, se surpreendeu ao descobrir a liberdade de viajar sozinha: “Caraca, eu tô me virando!”. Sempre tímida, ela começou a viajar sozinha em 2015, incentivada por uma amiga, e nunca mais parou. Na pandemia, tornou-se nômade digital, trabalhando pelo mundo. Já morou na Argentina, Colômbia, México e África do Sul, e atualmente está em Aracaju. Apesar de ter enfrentado situações de assédio – “Já fui seguida na rua mais de uma vez” –, ela destaca as experiências positivas. “Eu pertenço ao mundo, e vou ser atravessada pelas coisas boas e ruins. E estou vendo muito mais as coisas boas. Além disso, se eu ficasse no Brasil, não estaria livre do assédio”. Para Patrícia, o medo deve impulsionar o preparo e a busca por informações, nunca a paralisia.

Àkila, que mora em Portugal há oito anos e já visitou 12 países, incorporou as viagens à sua vida, seja a trabalho ou por aventura. Como mulher trans, ela descreve a experiência como prazerosa, mas delicada. “Não precisamos só adaptar nossos sentidos a um ambiente desconhecido, mas também, na maioria dos lugares, as pessoas levam um tempo para se adaptar à nossa presença”. Ela busca se conectar com as pessoas para se sentir segura. “Logo os olhares curiosos se acalmam, os desconfiados ganham confiança, e eu começo a fazer parte daquela paisagem”. Àkila acredita que pessoas trans já carregam conhecimentos essenciais para viajar, pois “sempre fomos nossa própria casa. O mundo é nosso”.

Fonte da Matéria: g1.globo.com