Jacira Roque de Oliveira (1964-2025), a inspiradora matriarca por trás da potência criativa de Emicida, faleceu ontem em São Paulo aos 60 anos. Sua trajetória de vida, marcada por superação e resiliência em meio às dificuldades da periferia, é um exemplo de força e determinação que transcende gerações. Dona Jacira, como era carinhosamente conhecida, deixa um legado indelével, principalmente na obra do filho, o renomado rapper Emicida.
A força e a presença de Dona Jacira ecoam nas rimas de Emicida. Ela não é só uma inspiração, mas uma verdadeira co-autora de sua história musical. Em “Crisântemo”, faixa do álbum de estreia de Emicida, *O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui* (2013), a mãe participa ativamente, numa mistura contagiante de samba e rap. A música, aliás, aborda a dor daqueles que cresceram órfãos nas comunidades carentes, um tema que, sabe?, ressoa profundamente na trajetória de vida de Emicida.
Dois anos depois, em 2015, Dona Jacira se torna a musa inspiradora de “Mãe”, a emocionante faixa que abre o álbum *Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa*. Olha só que incrível: a própria Dona Jacira participa da gravação, sendo creditada como coautora da canção. A letra, pungente e sincera, narra a jornada heroica dessa mulher que, contra todas as probabilidades, criou seus filhos com amor e determinação.
Mas a influência de Dona Jacira na obra de Emicida vai além desses dois álbuns. Desde o primeiro mixtape, *Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe…* (2009), a mãe já é mencionada em faixas como “A cada vento”, “Ooorra…” (que deu nome à mixtape) e “Triunfo”. Em “A cada vento”, Emicida a homenageia com os versos: “Parabéns, mamãe / Seu projeto de homem feliz deu certo!”. Uma declaração emocionante, né?
Dona Jacira se foi, mas sua presença continua viva e pulsante na música de Emicida. Como o próprio rapper canta em “Mãe”, em cada verso, em cada batida, a voz da mãe ecoa. Sua história, sua força, seu amor incondicional: tudo isso está eternizado na obra de um dos maiores nomes do rap nacional. A seguir, a letra completa da canção “Mãe”, um verdadeiro retrato da vida e do legado de Jacira Roque de Oliveira:
Mãe
(Jacira Roque de Oliveira, Emicida, Renan Inquerito e Dj Duh, 2015)
“Um sorriso no rosto, um aperto no peito
Imposto, imperfeito, tipo encosto, estreito
Banzo, vi tanto por aí
Pranto, de canto chorando, fazendo os outro rir
Não esqueci da senhora limpando o chão desses boy cuzão
Tanta humilhação não é vingança, hoje é redenção
Uma vida de mal me quer, não vi fé
Profundo ver o peso do mundo nas costa de uma mulher
Alexandre no presídio, eu pensando em suicídio
Aos oito anos, moça, de onde ‘cê tirava força?
Orgulhosão de andar com os ladrão, trouxa
Recitando Malcolm X sem coragem de lavar uma louça
Papo de quadrada, 12, madrugada e pose
As ligação que não fiz tão chamando até hoje
Dos rec no Djose ao Hemisfério Norte
O sonho é um tempo onde as mina não tenha que ser tão forte
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
Outra festa, meu bem, tipo Orkut
Mais de mil amigo e não lembro de ninguém
Grunge, Alice in Chains
Onde ou você vive Lady Gaga ou morre Pepê e Neném
Luta diária, fio da navalha, marcas? Várias
Senzalas, cesárias, cicatrizes
Estrias, varizes, crises
Tipo Lulu, nem sempre é so easy
Pra nós punk é quem amamenta, enquanto enfrenta guerra, os tanque
As roupas suja, vida sem amaciante
Bomba a todo instante, num quadro ao léu
Que é só enquadro e banco dos réu, sem flagrante
Até meu jeito é o dela
Amor cego escutando com o coração a luz do peito dela
Descreve o efeito dela, “Breve, intenso, imenso”
Ao ponto de agradecer até os defeito dela
Esses dias achei na minha caligrafia
A tua letra e as lágrima molha a caneta
Desafia, vai dar mó treta
Quando disser que vi Deus
Ele era uma mulher preta
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
Nossas mãos ainda encaixam certo
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
A sós nesse mundo incerto
Peço um anjo que me acompanhe
Em tudo eu via a voz de minha mãe
Em tudo eu via nóis
O terceiro filho nasceu, é homem
Não, ainda é menino
Miguel bebeu por três dias de alegria
Eu disse que ele viria, nasceu
E eu nem sabia como seria
Alguém prevenia, filho é pro mundo
Não, o meu é meu
Sentia a necessidade de ter algo na vida
Buscava o amor nas coisas desejadas
Então pensei que amaria muito mais
Alguém que saiu de dentro de mim e mais nada
Me sentia como a terra, sagrada
E que barulho, que lambança
Saltou do meu ventre e contente
Parecia dizer, “É sábado gente”
A freira que o amparou tentava reter
Seus dois pezinhos sem conseguir
E ela dizia, “Mais que menino danado
Como vai chamar ele, mãe?”
“Leandro” ”
Fonte da Matéria: g1.globo.com