Olha só que história! Em 1968, no meio da Ofensiva do Tet – uma das maiores batalhas da Guerra do Vietnã, que, na real, marcou o começo do fim do conflito entre o Vietnã do Norte (apoiado pela China e pela URSS) e o Vietnã do Sul (com o apoio pesado dos EUA) – um garoto de apenas 12 anos registrava tudo com sua câmera. Nem tanques, nem tiros, nem explosões assustavam Jimmy.
Sabe, soldados americanos estavam chegando aos montes no Vietnã, apesar dos protestos gigantescos nos EUA contra a guerra. Saigon – hoje Cidade Ho Chi Minh – era um caos total. E, no meio daquela bagunça toda, lá estava Jimmy, correndo pra registrar tudo. Ele era Lo Manh Hung, mas todo mundo o chamava de Jimmy. E, acredite, ele foi provavelmente o fotógrafo de guerra mais jovem da história!
“Ele fotografava qualquer coisa, sem medo nenhum. As fotos dele são inacreditáveis!”, conta Quyen, irmã de Jimmy. Outro irmão completa: “Era só pensar na foto, nada mais importava. Nem a própria vida!”.
A família, moradora de Saigon, decidiu contar a história de Jimmy à BBC pela primeira vez. A paixão pela fotografia veio de casa: o pai, Lo Vinh, era fotojornalista freelancer de guerra, e Jimmy seguiu os seus passos, muitas vezes acompanhado pelos irmãos.
“Se rolava alguma coisa em Saigon, tipo uma bomba explodindo, Jimmy pegava a câmera, pulava na moto e ia correndo registrar tudo”, lembra Richard, um dos irmãos, em entrevista à BBC. “Chegava lá antes de todo mundo! Nem a emergência era tão rápida.” Richard destaca ainda a rapidez e a esperteza de Jimmy, um fotógrafo “especialista, rápido e perspicaz, bem mais esperto que a gente”, brinca.
Jimmy era apaixonado e começou a trabalhar sozinho. Sua coragem e talento renderam fotos impactantes da linha de frente, vendidas para publicações internacionais. Apesar da violência, Vincent, outro irmão, lembra que Jimmy era um menino alegre, com espírito aventureiro.
Ser tão novo tinha suas vantagens e desvantagens. Às vezes, Jimmy acabava na cadeia por andar pelas ruas depois do toque de recolher, pois a polícia desconfiada de suas credenciais. Mas, justamente por ser criança, ele criava laços com os soldados, ganhando acesso único a locais que outros fotógrafos não conseguiam.
“Ele dizia que os soldados eram curiosos, chegavam perto, conversavam, brincavam”, conta Thomas, irmão de Jimmy, à BBC. Mas a responsabilidade de sustentar a família pesava, principalmente depois que o pai se machucou em um acidente de moto e ficou impossibilitado de trabalhar.
“Claro que nossos pais ficavam preocupados. Ele era o mais velho, se algo acontecesse com ele, seria um problema enorme”, diz Richard. “Quando nosso pai se machucou, Jimmy assumiu a responsabilidade de sustentar a gente”.
Os pais se preocupavam muito quando Jimmy sumia por dias. “Ele se vestia de soldado e até entrava nos helicópteros com eles, dizendo que era jornalista”, lembra Richard.
Existe uma foto famosa, possivelmente tirada por Jimmy, de um helicóptero cercado de pessoas, mas a BBC não conseguiu confirmar a autoria. Seus irmãos contam que ele estava lá naquele dia caótico, quando vários helicópteros decolaram.
“Naquela época, a foto mostrava exatamente o que as pessoas estavam vivendo. Um helicóptero pousou no meio da batalha de An Loc. As pessoas estavam apavoradas! An Loc estava sitiada, muitos soldados feridos, e civis famintos e desesperados tentavam entrar no helicóptero para escapar”, explica Richard. Era uma questão de vida ou morte; o helicóptero só levava poucas pessoas, mas a multidão era imensa.
“Jimmy seguiu a multidão – eles estavam escondidos por dias. Quando chegou a hora de ir, ele foi junto. Ele contou que, quando os helicópteros pousaram, o Viet Cong disparou foguetes e balas na pista. As fotos são incríveis e muito significativas.”
Richard descreve a cena: “Dá pra ver civis e soldados feridos entrando no helicóptero. Jimmy disse que teve que se segurar na parte de trás, era muito perigoso! Muita gente caiu e morreu ali mesmo. Devem ter sido cenas aterrorizantes… provavelmente as mais perigosas de todas. Essa foto é incrível, por isso é tão importante pra gente.”
O trabalho era familiar: Jimmy e o pai tiravam as fotos, a mãe, Ly Tu Lan, revelava as fotos em casa e os irmãos ajudavam. Mas o perigo era real. Em um momento, os temores da família se concretizaram em parte.
“Meu irmão levou um tiro de AK47 no braço, estava sangrando muito e teve que ser enfaixado”, conta Thomas, referindo-se a um ferimento perto da linha de frente. Jimmy se recuperou e voltou a trabalhar imediatamente. Em 1972, ele foi ferido novamente, dessa vez por fogo de artilharia, perdendo parte da audição.
Mesmo assim, Jimmy continuou fotografando até o fim da guerra. Com a retirada das tropas americanas em 1973, a queda de Saigon em 1975 foi inevitável. Muitos sul-vietnamitas fugiram, incluindo Jimmy e seus irmãos.
“O Viet Cong estava chegando, cercando Saigon. Jimmy disse que se a gente quisesse sair do país, tinha que achar um barco para ir para os EUA”, conta Thomas. Eles partiram em meio ao caos, se separando e se reencontrando tempos depois em um campo de refugiados em Guam.
“De repente, eu ouvi o Jimmy gritando em vietnamita ‘Nam, nam!’. Foi uma alegria imensa, porque a gente tinha perdido o rastro dele em Saigon”, lembra Thomas. “Ficamos separados desde Saigon e esse reencontro foi totalmente inesperado. Três irmãos se encontrando em um campo com centenas de milhares de pessoas! A partir daí, ficamos juntos, cheios de alegria. Esse foi o momento mais emocionante de todos.”
Nos EUA, Jimmy não tinha as mesmas conexões da imprensa que tinha no Vietnã. Ele levou uma vida mais tranquila na Califórnia, mas nunca abandonou a fotografia. “Ele amava ser fotojornalista, mas nos EUA não tinha conexões com a imprensa ocidental. No Vietnã todo mundo o conhecia, mas aqui acho que ele se sentia um pouco triste”, diz Thomas. “Mesmo assim, ele amava sua profissão e continuou se dedicando a ela até o fim. Aonde ia, levava sua câmera, pronto para fotografar, seja por diversão ou trabalho.”
Jimmy se casou, teve filhos e, eventualmente, retomou seu primeiro amor: abriu seu próprio negócio de fotografia e laboratório. Ele também retornou ao Vietnã. Em 2018, uma semana após uma viagem ao país, ele faleceu devido a uma insuficiência cardíaca.
O legado de Jimmy vai além de ser um dos fotógrafos mais jovens do mundo; está nas suas fotos, que ajudaram a mostrar a Guerra do Vietnã para o mundo. Mas seu outro legado, tão importante quanto, é o de ter sido um pilar fundamental na sobrevivência da própria família.
*Este artigo foi adaptado do vídeo do BBC Reels, produzido e narrado por Howard Timberlake e editado por Tom Heyden
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Fonte da Matéria: g1.globo.com