Duas décadas compartilhando tudo online, e de repente… menos. Pesquisas mostram que um terço dos usuários de redes sociais postam menos que um ano atrás. A geração Z (1995-2010), principalmente, tá nessa onda. Kyle Chayka, do The New Yorker, até criou um termo: “postagens zero”. Ele acredita que muita gente percebeu que compartilhar a vida online não compensa mais.
Olha só, eu mesmo notei essa queda nas minhas redes. Para cada foto de férias de um amigo, tem uma avalanche de posts de marcas e influenciadores, vendendo produtos ou mostrando as últimas modinhas. Antes, as redes pareciam um reflexo, meio torto, da minha vida social. Agora? Só mais conteúdo, igual a qualquer outro.
Claro, as plataformas mudaram. TikTok e Instagram, com seus vídeos verticais infinitos e algoritmos poderosos, são exemplos disso. Mas e o futuro das nossas vidas digitais, se as redes sociais estão ficando menos… sociais?
Conversei com Kyle Chayka, autor de “Mundo Filtrado: como os algoritmos nivelaram a cultura”, para entender melhor. A conversa, resumida para melhor clareza, foi mais ou menos assim:
Katty Kay (BBC): Meu feed tá cheio de anúncios e fotos de casas que eu nunca vou comprar, em lugares que nunca vou visitar. Mas, sério, quando foi a última vez que vi um post de verdade de um amigo? Se a gente só acessa as redes por outros motivos agora, o que isso significa para o futuro delas?
Kyle Chayka: As redes sociais viraram um grande mostruário de consumo. Tudo gira em torno de aspiração de estilo de vida, e não sobre o que acontece na sua vida e com seus amigos. Pra mim, isso tira todo o sentido. Sem o foco na vida real das pessoas, as redes ficam iguais à TV: só anúncios de marcas, fast fashion, hotéis… nada daquele conteúdo orgânico e pessoal que a gente tinha antes.
Kay: As empresas de redes sociais têm algoritmos super sofisticados pra nos prender. Como elas reagem a essa mudança? Ou elas estão felizes em ganhar mais com publicidade?
Chayka: Seus clientes principais são os anunciantes. Enquanto a gente interage, o modelo de negócio funciona. Além disso, elas apostam que o conteúdo gerado por humanos vai ser substituído por IA. A Meta, por exemplo, já tá enchendo o Facebook e o Instagram com conteúdo gerado por computador – infinito e barato, mas sem graça, na minha opinião.
Kay: Você acha que as pessoas vão deixar de acessar as redes pra ver o que os amigos fizeram nas férias?
Chayka: Sim, acho que já existe um declínio. Tem um estudo que mostra menos gente postando no TikTok. Mas o Instagram, por exemplo, percebeu que o compartilhamento pessoal migrou para mensagens diretas e conversas individuais. A gente *precisa* de redes sociais online, mas as atuais não atendem mais a essa necessidade. Por isso, devem surgir novos aplicativos, talvez um WhatsApp turbinado ou um sistema melhor para grupos de conversa. Estamos indo para conexões mais privadas e íntimas.
Kay: Meus filhos, na faixa dos 20 e adolescentes, me fizeram pensar: a minha geração achava que os jovens não ligavam pra privacidade e postavam tudo. Será que estávamos errados? Será que eles testaram esse mundo público e agora preferem grupos mais íntimos?
Chayka: Acho que a gente aprendeu, na década de 2010, os lados ruins de compartilhar a vida privada. A vergonha pública, os constrangimentos virais… O contrato social das redes mudou. Antes, postar atraía um público grande, mas isso virou um círculo vicioso, que consome toda a sua vida. A não ser que você seja influenciador, as desvantagens superam as vantagens. É melhor mandar mensagem para os amigos.
Kay: Conversei com Jonathan Haidt (autor de “Geração Ansiosa”), que tenta proibir celulares nas escolas. Se essa tendência de “postagens zero” pegar, será mais fácil combater o vício em celulares?
Chayka: Boa pergunta. Acho que já passamos do auge das redes sociais, mas isso não elimina as conversas digitais o tempo todo. Essa conversa migrou dos canais públicos para grupos, mensagens diretas ou plataformas efêmeras como o Snapchat. A dependência e a distração continuam, mas a exposição pública diminuiu. É melhor não estar totalmente exposto ao mundo. Ainda mandamos mensagens, consumimos memes… a distração persiste.
Kay: E daqui a cinco anos? Como vamos usar nossos celulares?
Chayka: Mais como TV. A gente vê uma junção de YouTube, TikTok e Netflix – uma mistura infernal de áudio, vídeo e algoritmos. As conversas e o lado social vão migrar para mensagens ou para a vida real. Esse pico das redes sociais talvez tenha criado um desejo de interação real, mostrando o valor das conexões presenciais. Isso me dá esperança.
Kay: Chegaremos a um mundo sem postagens?
Chayka: Sim, mais cedo do que imaginamos. Não há incentivo para postar selfies ou fotos do café da manhã se ninguém presta atenção, se você só compete com um monte de conteúdo genérico. Talvez as redes sociais fossem uma aberração, uma ideia falsa de que todo mundo devia compartilhar tudo publicamente. Agora, estamos percebendo os danos e mudando nossos hábitos.
Fonte da Matéria: g1.globo.com