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O Dia em que um B-25 Quase Destruiu o Empire State

Olha só essa foto de 1930: um operário na estrutura metálica do Empire State, ainda em construção. Uma imagem de Lewis Hine, hoje em domínio público, que mostra a grandiosidade da obra. Era o auge da construção, e ninguém imaginava o que estava por vir. Naquele verão de 1945, 80 anos atrás, a Segunda Guerra Mundial já tinha terminado na Europa, mas a Ásia ainda fervilhava com os combates contra o Japão.

Em um sábado, 28 de julho, por volta das 9h49 da manhã, um bombardeiro B-25 Mitchell, batizado de “Old John Feather Merchant”, colidiu com o Empire State Building, na época o maior arranha-céu do mundo – um verdadeiro símbolo da potência de Nova York, inaugurado 14 anos antes. Imaginem: 102 andares, 444 metros de altura! Pra quem se lembra do 11 de setembro de 2001, a imagem ecoa, né? Aquele impacto, a destruição de um ícone… Só que, nesse caso, foi um acidente. Uma ironia, já que a Torre Norte do World Trade Center, anos depois, superaria o Empire State em altura.

Mas vamos à história. O B-25, pertencente às Forças Armadas dos EUA, fazia um voo de rotina, transportando pessoal. Decolou da base aérea Hanscom, em Bedford, Massachusetts, rumo ao aeroporto de Newark, em Nova Jersey, para buscar um oficial. Nada de missões de guerra, segundo o The New York Times da época: era um voo de treinamento, sem armamentos. O tenente-coronel William Franklin Smith Jr. estava voltando de uma folga com a esposa, depois de uma viagem de Dakota do Sul. Ele havia deixado seu superior em Newark e estava indo buscá-lo.

Só que tinha um problema: um nevoeiro denso demais. A visibilidade era zero. Próximo ao aeroporto La Guardia, a 26 quilômetros de Newark, a torre de controle alertou sobre as condições. “No momento, não consigo ver a torre do Empire State”, disse o controlador, ilustrando a situação. A resposta do piloto? “Entendido, torre, obrigado”. E ele seguiu em frente.

João Paulo Moralez, apresentador do podcast Fox 3 Kill, sobre aviação militar, explica para a BBC News Brasil: o piloto, depois de alertado para o pouso imediato, ignorou as ordens. Ele sobrevoou Manhattan a uma altitude de apenas 1.000 pés (cerca de 300 metros), muito abaixo do mínimo de 2.000 pés recomendado, tentando melhorar a visibilidade. Aí, de repente, o Empire State apareceu à direita. Ele tentou subir, mas já era tarde. A colisão foi inevitável.

O impacto, a 320 km/h, destruiu escritórios entre os andares 78 e 80, principalmente entidades de caridade ligadas à Igreja Católica. Um buraco enorme, de mais de 30 metros quadrados, foi aberto, mas a estrutura do prédio, acreditem, resistiu!

Tragicamente, o tenente-coronel Smith Jr., o sargento Christopher Domitrovich e o mecânico Albert Perna morreram. Os restos mortais de Perna só foram encontrados dois dias depois. No Empire State, 11 pessoas morreram e pelo menos 24 ficaram feridas. Cerca de 50 pessoas estavam no mirante, mas, talvez por ser sábado, o número de vítimas não foi maior. “Me parece que a tragédia poderia ter sido bem pior”, comenta Moralez.

A cena foi caótica. Um motor atravessou o prédio e caiu no quarteirão ao lado, incendiando um ateliê. “Chovia metal” sobre carros e pedestres, descreve Gianfranco Panda Beting, consultor aeronáutico e um dos fundadores da Azul Linhas Aéreas, à BBC News Brasil. O outro motor e parte do trem de pouso desabaram pelo fosso de um elevador. O combustível vazou, gerando um incêndio que os bombeiros controlaram em 40 minutos.

Incrível, mas o Empire State reabriu parcialmente na segunda-feira, 30 de julho, menos de 48 horas depois! As obras de reparo na área afetada duraram cerca de três meses. “A estrutura do prédio era mais robusta do que se imaginava”, afirma Moralez. “Além disso, o avião não estava com os tanques cheios. Com pouco combustível, o incêndio não se espalhou tanto”.

A reação das pessoas no prédio foi de pânico. Muitos pensaram que era um bombardeio, ou um terremoto, devido ao clima de guerra. O New York Times descreveu a cena: “De repente, as chamas se espalharam. Secretárias largaram suas anotações, executivos interromperam conversas no meio da frase”.

Beting destaca a repercussão do acidente: “Um avião batendo no prédio mais alto do mundo… Era assunto na época, principalmente as discussões sobre arranha-céus e o uso de aviões militares sobre cidades.” Moralez completa: “Foi o acidente de aviação mais famoso em Nova York até o 11 de setembro de 2001”.

Apesar da gravidade, o acidente não gerou mudanças imediatas nas normas de segurança aérea. Mas, Mauricio Pontes, investigador de acidentes aeronáuticos e CEO da C5i Consultoria de Riscos e Crises, explica para a BBC News Brasil: “Se a navegação por instrumentos fosse como hoje, o acidente não teria ocorrido. Em termos de segurança, mudou tudo em 80 anos”.

Beting acrescenta que não foi o acidente em si, mas o pós-guerra, que impulsionou avanços no controle de tráfego aéreo e no uso de radares. No caso específico, a causa foi a desobediência do piloto. As investigações apontaram o mau tempo e a decisão do piloto de descer abaixo da altitude mínima em área urbana.

A lição, segundo Moralez, é a importância de seguir as orientações dos controladores, evitar decisões baseadas em ego ou na pressão de cumprir missões. Pontes reforça a importância do fator humano nas decisões de comando e os avanços na navegação por instrumentos.

Sobre o avião: o B-25 Mitchell, fabricado pela North American a partir de 1940, foi um bombardeiro médio bimotor, amplamente utilizado na Segunda Guerra Mundial. Quase 10 mil unidades foram produzidas. Seu nome homenageava o oficial William Lendrum Mitchel. Quinze B-25 participaram do ataque a Tóquio em 18 de abril de 1942 – uma ação simbólica que abalou o moral japonês. Foi a primeira vez que os EUA atacaram o Japão, lembra Beting, quatro meses depois do ataque a Pearl Harbor. O B-25 foi exportado para vários países, incluindo o Brasil, e esteve em operação até os anos 1970. Era um avião eficiente, podia ser equipado com canhões, e tinha o tamanho de um ônibus articulado, com velocidade máxima de 482 km/h e alcance de até 7.162 metros de altitude.

Em resumo: um acidente grave, com vítimas, mas que, graças a Deus, não resultou em uma catástrofe ainda maior. Um lembrete da importância da segurança aérea e do respeito às normas, além de um capítulo marcante na história da aviação e de Nova York.

Fonte da Matéria: g1.globo.com