Uma foto de 1930, hoje em domínio público, mostra um operário na construção metálica do Empire State Building. A imagem, de Lewis Hine, via BBC, nos transporta para um tempo em que os EUA ainda sentiam o peso da Segunda Guerra. Na Europa, a guerra havia terminado com a rendição do Eixo, mas na Ásia, o conflito seguia em chamas, com o Japão ainda resistindo.
Era sábado, 28 de julho de 1945. Uma manhã como qualquer outra, até que um bombardeiro B-25 Mitchell, o “Old John Feather Merchant”, se chocou contra o Empire State, então o maior arranha-céu do mundo, um símbolo da força de Nova York, inaugurado 14 anos antes. O prédio, com seus 102 andares e 444 metros de altura, tremeu.
Para quem viveu o 11 de Setembro de 2001, a lembrança das Torres Gêmeas desabando ecoa nesse evento. A sensação de um ataque a um ícone arquitetônico é a mesma, sabe? Curiosamente, a Torre Norte do World Trade Center foi a responsável por tirar do Empire State o título de prédio mais alto, nos anos 70. Mas, olha só, em 1945, o choque não foi intencional. Ainda assim, deixou marcas profundas e vítimas.
O B-25 fazia um voo de rotina, transportando pessoal, partindo da base aérea Hanscom, em Bedford, Massachusetts, rumo ao aeroporto de Newark, em Nova Jersey. A missão não tinha ligação direta com a guerra, segundo o The New York Times da época. O avião era usado para treinamento e não carregava armas.
Na semana anterior, o piloto, Tenente-Coronel William Franklin Smith Jr., e seu superior haviam partido de uma base em Dakota do Sul. O superior desembarcou em Newark, e Smith Jr. seguiu para Bedford, Massachusetts, para uns dias de folga com a esposa. No sábado do acidente, ele estava voltando, precisando buscar seu superior em Nova Jersey.
Um nevoeiro denso obscurecia tudo. Sem os equipamentos de navegação de hoje, a visibilidade era quase zero. Próximo ao aeroporto La Guardia, a 26 quilômetros de Newark, a torre de controle alertou sobre as condições e recomendou um pouso imediato. “No momento, não consigo ver a torre do Empire State”, disse o controlador. Smith Jr. respondeu com um seco “entendido, torre, obrigado” e seguiu em frente.
João Paulo Moralez, apresentador do podcast Fox 3 Kill, especializado em aviação militar, explicou à BBC News Brasil que, apesar do alerta, Smith Jr. ignorou as ordens. Ele sobrevoou Manhattan, descendo de 2 mil pés (600 metros) – o mínimo para sobrevoar a ilha – para apenas 1 mil pés (300 metros), tentando enxergar o terreno. Mas aí, ele se viu no meio dos prédios! Tentou subir, mas já era tarde.
Eram 9h49, dois ou três minutos após o último contato com a torre. O B-25 atingiu o prédio a 320 km/h. O impacto destruiu escritórios de entidades católicas entre os andares 78 e 80, abrindo um buraco de mais de 30 metros quadrados. A estrutura, porém, aguentou.
A bordo, além de Smith Jr., estavam o Sargento Christopher Domitrovich e o mecânico Albert Perna. Os três morreram; os restos de Perna só foram encontrados dois dias depois. No Empire State, 11 pessoas morreram e pelo menos 24 ficaram feridas. Cerca de 50 pessoas estavam no mirante – talvez por ser sábado, havia menos gente, minimizando a tragédia, segundo Moralez.
Um motor atravessou o prédio e caiu no quarteirão seguinte, incendiando um ateliê de arte. “Uma chuva metálica sobre carros e pessoas”, descreve Gianfranco Panda Beting, consultor aeronáutico e fundador da Azul Linhas Aéreas, à BBC News Brasil. O outro motor e parte do trem de pouso caíram no fosso de um elevador. O combustível espalhou o fogo, mas os bombeiros controlaram as chamas em 40 minutos.
Sem danos estruturais significativos, o Empire State reabriu parcialmente na segunda-feira, 30 de julho, menos de 48 horas depois! As obras de reparo levaram cerca de três meses. A estrutura do prédio se mostrou surpreendentemente robusta, mesmo não sendo projetada para esse tipo de impacto, segundo Moralez. A quantidade reduzida de combustível no tanque do avião (com capacidade para quase 3.500 litros), também contribuiu para evitar um incêndio maior.
Quem estava lá dentro achou que Nova York estava sendo bombardeada! O clima de guerra ainda pairava, e o estrondo foi assustador. O New York Times relatou que alguns pensaram em terremoto. “De repente, chamas alimentadas pelo combustível se espalharam. Secretárias largaram seus cadernos, executivos interromperam conversas no meio da frase”, escreveu o jornal.
Beting destaca que o acidente foi muito comentado. Era uma época de debates sobre arranha-céus e o uso de aviões militares sobre cidades. Moralez define o evento como “o acidente mais famoso da aviação em Nova York até o 11 de setembro”.
Especialistas afirmam que o incidente não gerou mudanças diretas na segurança de voo na época. Mas, claro, os avanços tecnológicos tornam algo assim quase impensável hoje em dia. A navegação é muito mais segura. Mauricio Pontes, investigador de acidentes aeronáuticos e CEO da C5i Consultoria de Riscos e Crises, disse à BBC News Brasil que, se a navegação por instrumentos fosse tão avançada quanto é hoje, o acidente não teria acontecido.
Beting lembra que não foi o acidente em si que impulsionou as mudanças, mas o pós-guerra, que trouxe uma nova fase no desenvolvimento de controle de tráfego aéreo e radares, aumentando a segurança. No caso do Empire State, a investigação não encontrou falhas no avião ou erros de procedimento, o problema foi a decisão do piloto.
Moralez explica que as investigações pós-acidente geram relatórios para evitar erros semelhantes, distribuídos para pilotos e toda a comunidade aeronáutica, para construir uma cultura de segurança. Segundo os relatórios da época, o acidente foi causado pelo mau tempo. O piloto tentou melhorar a visibilidade descendo abaixo do limite em área urbana, resultando na tragédia, conforme Pontes. Mas Moralez enfatiza que a tragédia foi resultado da desobediência do piloto a uma ordem direta da torre de controle.
A lição, segundo Moralez, é a importância de seguir as instruções à risca. Talvez o piloto tenha desobedecido por querer cumprir a missão ou por ego. Pontes destaca a importância das lições sobre o fator humano e as decisões de comando, além do impulso para a navegação por instrumentos.
Sobre o B-25 Mitchell, Moralez explica que foi um bombardeiro médio bimotor, produzido pela North American a partir de 1940, amplamente usado na Segunda Guerra Mundial, com quase 10 mil unidades produzidas. O nome homenageava o oficial William Lendrum Mitchel (1879-1936), um dos idealizadores da Força Aérea dos EUA. Quinze B-25 participaram do ataque a Tóquio em 18 de abril de 1942, um marco simbólico que abalou o moral japonês (o avião levava bombas internamente, destaca Moralez). Foi o primeiro ataque americano ao território japonês após Pearl Harbor, em dezembro de 1941, lembra Beting.
O B-25 foi exportado para diversos países, incluindo Reino Unido, União Soviética, Peru, México, Indonésia, República Dominicana, Colômbia, Cuba, Chile, China e Brasil, e ficou em operação até os anos 70. Era um avião eficiente e querido pelos pilotos, podendo ser equipado com canhões para defesa, diz Pontes. Com cerca de 16 metros de comprimento (tamanho de um ônibus articulado), alcançava 482 km/h e voava a até 7.162 metros de altura, com tripulação de 5 a 7 militares.
Fonte da Matéria: g1.globo.com