Luang Prabang, com seus 50 mil habitantes, é o coração espiritual do Laos. Imagina só: templos deslumbrantes, monges em túnicas alaranjadas por todos os lados… Muita gente acredita que essa cidadezinha, Patrimônio Mundial da UNESCO, tem a maior concentração de monges do mundo! Era um lugar super tranquilo, um dos destinos mais isolados do sudeste asiático. Aí, bum! Chegou a ferrovia de alta velocidade Laos-China, em 2021, e o turismo explodiu.
Acontece que, apesar do dinheiro que entra na economia local, as antigas tradições estão sofrendo. Os rituais sagrados, como a cerimônia das esmolas matinais (Tak Bat), viraram atração turística. “O turismo tem seus pontos positivos, mas também muitos negativos”, desabafa Anat Khamphew, ex-monge do monastério Wat Xieng Mouane. Ele conta que já viu de tudo: turistas se comportando de forma desrespeitosa com os monges, estátuas de Buda roubadas… E o pior? Símbolos religiosos virando cenário para selfies no Instagram! Sacanagem, né?
Mas Khamphew não ficou de braços cruzados. Ele criou um canal no YouTube pra mostrar aos turistas como visitar Luang Prabang de um jeito mais consciente e respeitoso. A ideia é incentivar os visitantes a explorarem lugares menos lotados e a entenderem a importância das raízes budistas da cidade. “Quis fazer a minha parte pra recuperar a alma, o coração espiritual de Luang Prabang”, explica ele.
E Khamphew não tá sozinho nessa luta! Outros ex-monges também criaram iniciativas incríveis. A Orange Robe Tours e a Spirit of Laos, por exemplo, são agências de turismo que promovem uma imersão cultural mais autêntica. Tem ainda a LaLaLaos, uma loja de artesanato que ajuda meninas de áreas rurais a estudarem, e o restaurante Kaiphaen, que treina jovens marginalizados. “Essas empresas oferecem uma experiência ética, autêntica e ainda ajudam a comunidade. É assim que o turismo deveria ser: consciente e benéfico pra todos. Isso sim traz um carma positivo!”, afirma Khamphew.
Luang Prabang, localizada na confluência dos rios Khan e Mekong, aos pés do monte Phou Si (“Montanha Sagrada”), é a antiga capital real do Laos. Fundada no século XIV, a cidade sempre foi um importante centro budista, com cerca de 33 wats (templos) opulentos espalhados por toda parte. Hoje, abriga aproximadamente mil monges. O nome Luang Prabang vem do Phra Bang dourado, o símbolo budista mais sagrado do país, que fica no Museu Nacional. “O Phra Bang representa a chegada do budismo ao Laos e é considerado um protetor da nação”, explica Khamphew. Visitar os wats, participar dos pujas (atos devocionais) e oferecer esmolas são parte essencial da vida cotidiana dos moradores.
Mas a popularidade de Luang Prabang, com sua arquitetura eclética – uma mistura de estilos laociano, budista e colonial francês – e sua profunda espiritualidade, atrai cada vez mais turistas, inclusive influenciadores digitais. “O problema é que um lugar antes espiritual agora é dominado pelo mundo digital”, lamenta Khamphew. “Muita gente só vai aos lugares ‘instagramáveis’, vivem a experiência pelo celular e perdem a essência de Luang Prabang. Acabam estragando o que vieram ver!”
O Tak Bat, uma cerimônia de mais de 600 anos em que monges recolhem esmolas ao amanhecer, também sofre com o excesso de turistas. Placas pedem respeito, mas são ignoradas. Parn Thongparn, ex-monja e guia turística, evita o local por conta da agitação, levando seus grupos para experiências mais tranquilas. “Amamos os visitantes, mas se eles dedicassem um tempo pra entender nossa cultura, poderiam nos ajudar a proteger nossas tradições”, diz ela.
Outro problema são as esmolas inadequadas: restos de comida, produtos de má qualidade, embalagens de plástico. Linda Heu, cozinheira do monastério Wat Munna, explica que a oferta deve ser fresca, limpa, vegetariana, sem especiarias e, idealmente, preparada na mesma manhã. “O mais importante é que seja um gesto significativo, não só uma oportunidade pra tirar fotos”, ressalta.
Bounthan Sengsavang, ex-noviço, fundou a Spirit of Laos em 2024, com uma proposta diferente: oferecer uma imersão mais respeitosa e profunda no budismo. “Quem melhor pra guiar do que alguém que viveu essa experiência?”, ele questiona. Em vez de correr de templo em templo, Sengsavang prefere mostrar o dia a dia dos monges, a simplicidade da vida monástica, a importância da meditação. Ele até oferece sessões de oração, cânticos e meditação com os monges. “Os monges adoram interagir com os visitantes depois da atividade. É uma ótima maneira de conectar-se com eles, aprender sobre suas vidas e ajudar a praticar o inglês deles”, conta.
A maioria dos meninos laocianos passa um tempo em um monastério, que pode variar de semanas a toda a vida. É uma tradição importante, pois a ordenação traz méritos para os pais, especialmente para as mães. “No budismo laociano, isso eleva o carma da mãe, aumentando as chances de um bom renascimento”, explica Sengsavang.
Os tours de Sengsavang também incluem visitas a cremações budistas, uma experiência que, segundo ele, lembra a importância da vida e pode inspirar as pessoas a viverem melhor. “Tudo termina; só não sabemos quando. Assistir a uma cremação nos lembra o valor da vida e pode ajudar a encontrar o seu propósito”, finaliza Bounthan Sengsavang.
Fonte da Matéria: g1.globo.com