A tentativa de Donald Trump de demitir Lisa Cook do Conselho do Federal Reserve (Fed) causou poucas ondas no mercado financeiro nesta terça-feira (26). A explicação, segundo Fábio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central do Brasil, é simples: ninguém acredita que ele vai conseguir. Em entrevista à GloboNews, Kanczuk cravou: “A gente sabe da intenção de longo prazo do Trump de enfraquecer o Fed, mas essa carta [da demissão] pegou todo mundo de surpresa. A principal dúvida no mercado foi: ‘Será que ele consegue mesmo tirá-la?’ A resposta, na minha opinião, é não.”
Olha só: o dólar subiu só 0,34%, fechando a R$ 5,4338, e o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, teve uma queda tímida de 0,18%, chegando aos 137.771 pontos. Se o mercado acreditasse na demissão, a coisa teria sido bem diferente, bem mais agitada. Kanczuk aposta que a batalha vai parar na Justiça e Lisa Cook vai continuar no cargo por anos. “Ela vai continuar brigando na Justiça, tudo com um pouco de confusão e custos com advogados, mas seguindo a vida normal”, disse ele.
Na real, a jogada mais provável do Trump seria tentar substituir Jerome Powell, o presidente do Fed, cujo mandato termina em maio de 2026. “Tem uma lista enorme de candidatos, a gente não sabe quem vai ser. Mas, com certeza, a escolha vai levar em conta a busca por um Fed menos independente e mais afeito aos desejos do presidente”, analisou Kanczuk.
O próprio Fed se pronunciou, reforçando sua independência. Apesar de Trump ter dito que a demissão era imediata, o banco central americano deixou claro que Cook permanece no cargo até decisão judicial. Em comunicado oficial, o Fed destacou que os diretores têm mandatos de 14 anos e só podem ser demitidos por justa causa, como prevê o Federal Reserve Act de 1913. A instituição bateu na tecla de que essas garantias são essenciais para proteger a independência da política monetária.
“Mandatos longos e proteção contra demissões arbitrárias garantem que as decisões do Fed sejam baseadas em dados, análise econômica e nos interesses de longo prazo do povo americano”, afirmou o Fed em nota. A nota ainda informou que Lisa Cook, por meio de seu advogado, vai recorrer judicialmente. O Fed disse que vai continuar trabalhando normalmente e que vai acatar qualquer decisão da Justiça.
Essa movimentação toda acontece num momento de tensão entre a Casa Branca e o Fed. Trump tem criticado bastante o banco central, tentando pressioná-lo a reduzir a taxa básica de juros.
A tentativa de demissão de Cook, inédita, é mais um capítulo dessa briga pelo controle do Fed. Para justificar a demissão, Trump acusou Cook de fraude hipotecária, alegando que ela declarou duas residências como principais para conseguir melhores condições de financiamento. Mas a legislação do Fed é clara: o presidente não pode demitir membros do conselho sem prova de falta grave.
Em nota divulgada por seu advogado, Cook negou as acusações e disse que não vai renunciar. “O presidente Trump alegou ter me demitido ‘por justa causa’, mas não existe justa causa prevista em lei, e ele não tem autoridade para fazer isso”, declarou ela. O advogado disse que vai tomar todas as medidas legais para impedir a demissão, classificando-a como ilegal. O caso já está com o Departamento de Justiça para investigação.
A demissão de um membro do Conselho de Governadores do Fed por decisão direta do presidente é algo inédito. O Fed foi criado justamente para evitar que a política monetária sofresse pressão política. Os membros têm mandatos longos e escalonados, não podem ser autoridades eleitas ou membros do Executivo, garantindo estabilidade e continuidade nas decisões econômicas. O Fed também não depende do orçamento do Congresso e não precisa da aprovação do presidente ou do Legislativo para suas decisões. Essa independência garante que o banco central foque em metas de longo prazo, como pleno emprego e estabilidade de preços.
Lisa Cook, indicada pelo presidente Joe Biden, entrou para a história em 2022 ao se tornar a primeira mulher negra no Conselho do Fed. Economista da Universidade de Oxford e doutora pela Universidade da Califórnia, Berkeley, ela lecionou economia e relações internacionais na Universidade Estadual de Michigan. Sua pesquisa se concentra nos impactos da discriminação na economia americana e como as recessões afetam mais os pobres. Ela fala cinco idiomas, incluindo russo, e é especialista em desenvolvimento internacional, tendo trabalhado na reconstrução de Ruanda após o genocídio de 1994. Antes de ir para o Fed, ela foi conselheira econômica do presidente Barack Obama e trabalhou no Departamento do Tesouro dos EUA. Seu mandato no Fed vai até 2038.
Fonte da Matéria: g1.globo.com