Enquanto os EUA posicionam uma poderosa frota militar, com cerca de 4 mil soldados, próximo à costa venezuelana, o governo Trump volta a acusar Nicolás Maduro de narcoterrorismo, afirmando que ele chefia o “Cartel de los Soles”. Pra Washington, o grupo é uma organização criminosa que contrabandeia drogas da América do Sul para os EUA, inclusive com o objetivo de desestabilizar o país. A Casa Branca, inclusive, já classificou o cartel como organização terrorista.
Mas calma aí! Essa versão não convence todo mundo. Especialistas, como Jeremy McDermott, cofundador do InSight Crime – um respeitado centro de estudos sobre crime organizado nas Américas, ouvido por veículos como o “The New York Times”, “The Washington Post” e “The Guardian” – discordam da narrativa americana.
Na real, segundo McDermott, o “Cartel de los Soles” não é uma organização hierárquica como o Cartel de Sinaloa de El Chapo Guzmán ou o Cartel de Medellín de Pablo Escobar. É mais uma “rede de redes”, uma verdadeira teia de militares e políticos venezuelanos que lucram com o tráfico de drogas. Maduro, segundo o pesquisador, não comanda essa estrutura toda, mas se beneficia dela. Ele se aproveita, digamos assim, de uma “governança criminal híbrida” que ajudou a criar no país.
O próprio nome, “Cartel de los Soles”, não foi escolhido pelos membros do grupo, viu? Foi a mídia que cunhou a expressão, inicialmente para descrever militares corruptos da Guarda Nacional envolvidos com o tráfico. A primeira vez que o nome apareceu foi em 1993, durante os julgamentos dos generais Ramón Guillén Davila e Orlando Hernández Villegas, acusados de ligações com o narcotráfico. O nome, aliás, vem das insígnias militares dos generais. Ou seja, as origens do esquema são anteriores até mesmo à chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999.
A ligação entre o chavismo e o tráfico, segundo o InSight Crime, tem várias explicações. Com a ofensiva do então presidente colombiano Álvaro Uribe, apoiada pelos EUA, contra as FARC – grupo guerrilheiro que financiava suas ações com o tráfico – parte das operações do grupo se deslocou para a fronteira porosa com a Venezuela. Depois do golpe de 2002 contra Chávez, que foi rapidamente revertido, mas com o apoio claro de Washington, Chávez buscou apoio nos militares, oferecendo cargos e contratos lucrativos, ignorando a corrupção crescente. A partir daí, o tráfico de cocaína aumentou, com autoridades venezuelanas substituindo os traficantes colombianos.
Após a morte de Chávez em 2013, e com Maduro assumindo o poder em meio a uma crise econômica profunda, a estratégia de tolerância à corrupção militar se intensificou. As propinas do tráfico ajudavam a complementar os salários cada vez menos valiosos. O InSight Crime afirma que o governo Maduro “recompensava” militares leais com posições em áreas lucrativas para o tráfico, garantindo proteção às rotas, transporte em veículos oficiais, cobrança de “pedágios” e até o embarque da droga em portos e aeroportos. O tráfico cresceu, mas o que mudou foi o controle do regime sobre ele. Maduro instalou um sistema de “governança criminal híbrida”.
Os EUA, porém, simplificam demais a situação, criando uma espécie de “versão de Hollywood”. Em 2020, o governo Trump sancionou Maduro, acusando-o de ser um dos líderes do “Cartel de los Soles”. O Departamento de Estado chegou a oferecer US$ 50 milhões (cerca de R$ 270 milhões) por informações que levem à sua prisão. Mas, segundo o InSight Crime, essa visão é equivocada. Os membros do grupo têm objetivos econômicos, não ideológicos, e o tráfico venezuelano cresceu tanto em direção aos EUA quanto à Europa.
O centro de pesquisa afirma que o regime de Maduro controla o sistema, não por meio de negócios diretos com a cocaína, mas por meio da distribuição de concessões, nomeações políticas e proteção. A mobilização militar americana, segundo McDermott, não vai resolver o problema. Vai apenas dificultar o tráfico marítimo pela Venezuela, deslocando-o para outros pontos da América do Sul. A droga vai continuar chegando nos EUA.
Fonte da Matéria: g1.globo.com