Bolsas de grife, acessórios que custam uma fortuna… tudo isso feito com a pele do pirarucu, um peixe gigante da Amazônia. No Brasil e até nos Estados Unidos, essas peças de luxo chegam a valer milhares de reais. A indústria da moda adora, as autoridades ambientais também aprovam. Afinal, a história do pirarucu é uma história de sucesso na conservação, né? Olha só: antes, ele estava quase extinto por causa da pesca predatória. Hoje, a pesca é controlada, com um sistema que conta os peixes e só permite a captura de uma parte deles. Isso garante que a população do pirarucu se recupera e que comunidades indígenas e ribeirinhas ganham dinheiro.
Marcas como a Osklen, uma das pioneiras nesse mercado, e a americana Piper & Skye, se gabam de usar o couro do pirarucu em seus produtos de luxo, destacando os benefícios socioambientais. A Osklen, por exemplo, diz no seu site que a iniciativa é show de bola, ajudando na economia circular e gerando renda para as populações ribeirinhas, além de contribuir para a preservação da Amazônia. Tudo lindo, não é?
Mas, na real, a história não é tão perfeita assim. Pescadores e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil contam uma outra versão. Apesar de todo o sucesso do manejo sustentável na recuperação da população de pirarucu, a maior parte do lucro desse negócio não chega aos que mais se esforçam para garantir a preservação da espécie.
Pedro Canízio, pescador amazonense e vice-presidente da Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (Femapam), se chocou ao ver o preço de uma bolsa de pirarucu no Rio de Janeiro. “O manejador nem sonha em comprar uma dessas, é muito caro! A gente trabalha muito, mas o quilo do pirarucu inteiro aqui, no máximo, rende R$ 11”, desabafa Canízio.
Fernanda Alvarenga, consultora e autora de um estudo sobre o mercado do couro de pirarucu, confirma que esse problema é comum em produtos da Amazônia. “A maioria dessas relações na cadeia produtiva é, no mínimo, questionável”, afirma ela. “Brincamos que, se o manejo do pirarucu não der certo como estratégia de conservação, nada vai dar. É a atividade econômica mais completa em termos de benefícios socioambientais”, continua a consultora. “Mas é preciso um olhar mais cuidadoso, consciente, sobre a importância dessa atividade para a conservação. Não se trata de destruir os negócios, mas de melhorar as coisas.”
As empresas, quando questionadas pela BBC News Brasil, reconhecem os desafios, mas dizem que estão tentando fortalecer as comunidades. Elas também afirmam que o mercado de luxo representa apenas uma pequena parte da demanda e que foi fundamental para dar visibilidade internacional ao pirarucu.
O couro do pirarucu é um material incrível! Ele é durável e tem uma beleza única, além de carregar um significado cultural forte, como explica Lilyan Berlim, especialista em sustentabilidade na moda e professora da ESPM. “O couro sempre foi essencial na história da roupa; há uma ligação com qualidade e eficiência. Mas a indústria de couro costuma ser criticada pelos danos ambientais. O pirarucu, nesse sentido, é uma exceção. Ele é parte da cultura das comunidades ribeirinhas e o uso do seu couro gera renda para elas.”
Novas marcas estão surgindo, todas apostando na sustentabilidade. Bruna Freitas, fundadora da Yara Couro, em Macapá (AP), conta que a ideia surgiu ao ver a quantidade de resíduos da pesca. “Não se aproveita quase nada da cadeia do pescado, diferente do que acontece com o gado.” No caso do pirarucu, a carne é consumida, mas até pouco tempo a pele era descartada. Agora, com esse novo mercado, a pele também é utilizada, aproveitando melhor o recurso. Além disso, a pele do pirarucu tem um padrão único, difícil de imitar, e é um símbolo da Amazônia. “É um peixe que sobreviveu a muitas dificuldades ambientais!”, ressalta Freitas.
A pesca do pirarucu acontece em períodos específicos do ano, em áreas de manejo no Amazonas. Só 30% dos peixes adultos podem ser capturados; o restante fica para garantir a preservação da espécie. O Ibama controla tudo isso. As comunidades locais cuidam dos lagos onde o pirarucu vive, evitando invasões e complementando a renda. Nos anos 1990, a pesca do pirarucu foi proibida no Amazonas porque ele estava ameaçado de extinção. Mas com os projetos de manejo, a população do peixe cresceu de novo. Após autorização do Ibama, as comunidades organizam a pesca e a comercialização.
Depois da pesca, a maior parte dos pirarucus vai para frigoríficos, onde a pele e a carne são separadas. As peles são processadas em curtumes e transformadas em couro para bolsas, calçados e outros artigos. É nessa etapa que o produto ganha mais valor, segundo uma pesquisa da Operação Amazônia Nativa (OPAN) de 2018. O processamento é complexo, exigindo várias etapas e tecnologia. Por isso, é difícil fazer esse trabalho diretamente nas comunidades. A pesquisa apontou que 95% das peles eram comercializadas por apenas sete frigoríficos, e apenas 5% pelas associações comunitárias.
Cristina Isis Buck Silva, do Ibama, explica que “o trabalho com as peles é difícil de aprender. Os manejadores estão aprendendo a fazer o corte. É um trabalho com muita tecnologia envolvida”.
Pedro Canízio acha injusto que os manejadores não recebam uma parte maior do lucro com a venda das peles. “Com o pouco que ganhamos, fazemos a vigilância dos lagos. O manejo do pirarucu deu certo, mas falta reconhecimento do pescador, na venda da carne e dos subprodutos. As comunidades precisam ter qualidade de vida.”
Existem iniciativas para processar o couro mais perto das comunidades, mas faltam recursos. Ana Alice Oliveira de Britto, da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), diz que “é uma indústria cara, seria um novo negócio. No futuro, talvez, além de vender a carne, possamos processar o couro também”.
Em 2018, foi criado o Coletivo do Pirarucu, com comunidades, institutos de pesquisa e órgãos governamentais, incluindo o Ibama. O grupo lançou a marca “Gosto da Amazônia”, focada na carne do pirarucu e vendida para outras regiões do Brasil. “O pescador chega a receber 40% a mais pelo peixe do que a média da região”, diz Britto. A Asproc quer replicar esse modelo para a pele, mas precisa de políticas públicas e investimentos para desenvolver a tecnologia necessária. “Se essa atividade não remunerar com justiça, a sociedade pode perder um aliado importante na conservação da Amazônia, e os manejadores podem migrar para atividades mais danosas ao meio ambiente para sustentar suas famílias.”
A Nova Kaeru, uma empresa brasileira, domina o mercado do couro de pirarucu. Dados da Panjiva mostram que, em 2024 e 2025, 70% do valor exportado de pirarucu e seus derivados estava concentrado nessa empresa. Um estudo do Ibama (2011-2018) encontrou um número semelhante (68%). A Nova Kaeru fornece couro para marcas de luxo como Giorgio Armani, Dolce & Gabbana e Givenchy. O sucesso da empresa se deve a uma inovação tecnológica: uma técnica para unir diferentes tipos de couro, criando superfícies grandes e contínuas. A maior parte da produção da Nova Kaeru é exportada para os EUA e México. O mercado de luxo representa apenas 5% da demanda.
Essa concentração de mercado preocupa Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes. “O que mais incomoda é a falta de concorrência. Há casos em que a pele é entregue e demora mais de seis meses para receber o pagamento. Não há outra opção, é um mercado pouco aquecido.” Dias acredita que as empresas que usam a imagem de sustentabilidade devem dar mais visibilidade às demandas das comunidades. “Se há comunicação sobre uma relação justa, ela precisa acontecer de fato. As empresas precisam acompanhar toda a cadeia produtiva.”
José Leal Marques, diretor comercial da Nova Kaeru na Amazônia, diz que a empresa começou a aproveitar a pele do pirarucu (antes descartada) na década passada. As comunidades ainda não têm capacidade técnica para fazer a separação da pele, mas a empresa espera mudar isso no futuro. “Nosso papel não é só comprar a pele, mas investir na Amazônia, na qualificação de mão de obra, na pesca e captura do pirarucu”, afirma Marques. Ele diz que o processo é caro e demorado, e que o preço pago pela Nova Kaeru é alto em comparação a outros couros. Marques afirma que há concorrência, mas do exterior, principalmente da Bolívia, onde o pir
Fonte da Matéria: g1.globo.com