O terceiro dia do retiro masculino cristão Legendários foi, na real, tenso! A subida à montanha, que já vinha desgastante, se transformou numa verdadeira prova de resistência física e mental. Quem acompanhou os dois primeiros dias deste diário sabe: meu objetivo era entender o que rola nesse movimento que bombou nas redes sociais. Se o primeiro dia foi marcado pelo cansaço físico e disciplina militar, e o segundo pelas emoções à flor da pele nas relações familiares, o terceiro… olha só, foi como um reality show!
Momentos de muita emoção, tipo o batismo no rio e conversas sinceronas em “família” (os subgrupos em que os homens são divididos), se misturaram a desafios que deixaram o retiro parecendo uma arena. Coragem e resistência foram testadas ao limite! O g1 publica esse diário em quatro partes, de sábado (26) a terça-feira (29). Sem gravador, câmera ou celular – itens totalmente proibidos –, minhas anotações serviram de base para as ilustrações da equipe do g1. O que conto aqui é o que vi, ouvi e vivi.
**”É a minha merda”**
Sábado amanheceu nublado, menos frio que a sexta. Saímos das barracas sob ordens, e, como nos dias anteriores, fomos alinhados em formação militar, líderes com bandeiras na frente, no mesmo espaço onde dormimos. Alguns “legendários” de laranja – a gente, os participantes, ainda éramos “senderistas”, sem farda – aguardavam para falar.
Aí, um deles mostrou um saco plástico com um conteúdo marrom e roliço. Tipo assim, uma imagem bem… gráfica! A ideia era mostrar que um homem de verdade assume a responsabilidade pelas suas ações, “suas merdas”, como ele mesmo disse.
**Arco-íris**
O tempo abriu e um arco-íris imenso surgiu no céu. Incrível! O contraste com a situação foi forte, uma cena que, pra um cristão, é de encher os olhos. No Gênesis, Deus cria o arco-íris após o dilúvio, como sinal de aliança com a humanidade.
**Primeiro “banho”, batismo e novos cristãos**
A notícia de que só precisaríamos levar uma mochila por família foi recebida com alegria. Chegamos a uma represa, tiramos a roupa da cintura pra cima (botas ficaram) e entramos na água gelada! O frio era intenso, mas nada comparado à felicidade de tomar um banho depois de três dias. Foram sete mergulhos, pensando no que queríamos deixar para trás.
Depois, um batismo! Dois senderistas aceitaram Jesus e se batizaram. Os demais fizeram uma espécie de renovação. Foi um momento emocionante. “Aceitar Jesus” é algo comum no meio evangélico, um momento de conversão e entrega à fé. No Catolicismo, a compreensão é diferente, mais ligada aos sacramentos. O Legendários, contudo, não se limita ao universo evangélico. Vi católicos lá, mas a maioria era evangélica. Chepe Putzu, o fundador, explicou ao g1 que é um movimento cristão sem ligação com denominações específicas.
**Tentados como Jesus no deserto**
A trilha ficou mais leve, mas com micropalestras. Um legendário, quase num teatro, nos parabenizou por chegarmos até ali, mas nos ofereceu um saco extra de comida. A condição? Ajoelhar e adorá-lo. Qualquer cristão entende a referência a Jesus no deserto, tentado por Satanás. Recusamos a oferta, como Jesus fez.
**O lamaçal e a disputa**
Depois do almoço, chegamos a um lamaçal. Foi o maior choque do dia, pra mim pelo menos! Tivemos que tirar roupa e acessórios e entrar na lama. O “Voice”, o principal líder, comandou atividades, de se deitar na lama a derrubar o membro mais fraco de cada família, sem usar os braços.
No fim da tarde, uma luta de lama! Fileiras se enfrentavam, tentando se derrubar. Famílias inteiras foram eliminadas. A disputa terminou com uma mensagem: as batalhas de verdade são contra os inimigos da vida, a batalha espiritual.
**A consagração dos legendários**
Encharcados, ouvimos sobre o sacrifício de Jesus na cruz. Cada senderista carregaria uma tora, representando a via-sacra. Seguimos por uma trilha iluminada por tochas, com legendários lendo trechos bíblicos de Isaías e Mateus.
Chegamos a um gramado, num culto emocionante, com uma cruz iluminada e tonéis em chamas formando a palavra JESUS. Muita emoção, choro, orações e abraços. Um letreiro acendeu: LEGENDÁRIOS. Um grupo de legendários em uniforme laranja entoou o grito de guerra:
— Legendários!
— Sim, legendário!
— O que somos?
— Homens inquebrantáveis!
— Para que estamos aqui?
— Para fazer história!
— A serviço de quem?
— Jesus!
— E o que vamos fazer?
— Dar a vida pelos nossos amigos! AHU! AHU! AHU!
(AHU: Amor, Honra e Unidade) Era a nossa recepção oficial. Senderistas virando legendários!
**Ao vencedor, as batatas (sem talher)**
No jantar, batatas, pão, linguiça e carne, sem talheres. As batatas, aparentemente cruas, eram na verdade, incríveis! O clima era de pura confraternização. Quase 300 homens, um churrascão sem álcool e música gospel. Me pareceu que dali podem surgir oportunidades de negócios, empregos e ajuda mútua.
**169 homens, dois chuveiros e o horizonte**
Havia dois chuveiros para 169 participantes (os legendários tinham chuveiros separados). Depois do banho, refleti sobre a volta desses homens para suas famílias. A impressão era de que todos abraçaram o movimento. O desgaste físico, a privação de sono, as humilhações… tudo justificado pelo processo. Muitos voltariam melhores, concordo.
Mas algumas coisas me incomodaram. A ênfase na liderança masculina, quase inquestionável. A mulher como parceira que apoia as decisões do homem, assumindo as rédeas só quando ele está longe de Deus. Ouvi que muitas mulheres inscreveram os maridos, que uma família precisa de um homem à frente, inclusive na chefia espiritual.
Esse tipo de pensamento gera muitas críticas. Elas limitam o espaço da mulher, reforçam o machismo e invalidam quem foge à regra, como a comunidade LGBTQIAPN+. Há também questões de racismo religioso.
Ainda faltava um dia. A volta a Salvador tinha mais surpresas…
Fonte da Matéria: g1.globo.com