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Lauryn Hill e “The Miseducation”: Por que esse álbum é considerado o melhor de todos os tempos?

Lauryn Hill fez, de fato, o melhor álbum da história? Difícil dizer com certeza, mas “The Miseducation of Lauryn Hill”, seu único álbum solo, tá aí, no topo das listas, desde 1998! E olha só, em 2024, a Apple Music colocou o disco no primeiro lugar de seu ranking dos 100 melhores álbuns de todos os tempos! Isso, gente, é um feito inacreditável. No mesmo ano, a Billboard o elegeu o terceiro melhor disco de rap já lançado – e ele ainda aparece em mais 45 rankings semelhantes. Mas o que explica tamanha consagração? Vamos mergulhar fundo nesse marco da história da música.

**Um estrondo de estreia:** O sucesso foi instantâneo. Mais de 422 mil cópias vendidas na primeira semana! Imagina? Lauryn Hill se tornou a primeira mulher a estrear em 1º lugar na Billboard 200 – a parada que mede as vendas de discos nos EUA. E não parou por aí! Em 1999, ela arrebatou cinco Grammys numa noite só, incluindo o cobiçado prêmio de Álbum do Ano. Um feito inédito para um rapper na época. “Isso é uma loucura, porque é hip hop!”, exclamou ela, emocionada, ao receber o prêmio das mãos de Whitney Houston. A premiação do Grammy, bastante criticada por sua baixa diversidade musical, só voltou a dar o principal troféu pra um álbum de rap uma vez depois disso: em 2004, com OutKast e “Speakerboxxx/The Love Below”.

**Uma mistura ambiciosa e um som cru:** “The Miseducation” não é só rap, viu? Lauryn misturou tudo: rap, R&B, reggae, soul, blues, funk, dancehall e gospel! Uma ousadia que resultou numa sequência de faixas criativas e coesas. Ela ainda inovou ao usar arpa, clarinete, tímpanos, órgão e saxofone – instrumentos pouco comuns no hip hop da época. E a gravação? Orgânica, sem muitos ajustes eletrônicos. Isso dá uma sensação incrível de proximidade com a sala de estúdio, como se a gente estivesse lá. “Gosto da crueza, de ouvir o ‘scratch’ nos vocais”, explicou Lauryn à Rolling Stone em 2008. “Não quero que tirem isso de mim. Não gosto de usar compressores e tirar minhas texturas, porque fui criada ouvindo músicas gravadas antes que a tecnologia avançasse a ponto de ser assim. Quero ouvir essa densidade sonora. Você não consegue isso em um computador, porque um computador é perfeito demais. Mas esse elemento humano é o que me arrepia. Eu adoro isso”. A composição, segundo ela, foi planejada para que ela se sentisse “tocada liricamente” com “a integridade do reggae, a batida do hip hop e a instrumentação do soul clássico”.

**Um conceito impecável:** “The Miseducation of Lauryn Hill” é mais que um álbum, é um conceito. O título, uma homenagem ao livro “The Miseducation of the Negro”, de Carter G. Woodson, guia todo o trabalho. A narrativa acompanha Lauryn como uma estudante aprendendo e ensinando sobre a vida, suas alegrias e dificuldades. Interlúdios com diálogos escolares, como uma chamada onde o nome dela é citado, mas ninguém responde, introduzem o álbum. Aí vem o primeiro verso de “Lost Ones”: “É engraçado como o dinheiro muda uma situação”. Essa música dançante, com interpolação do hit “Bam Bam”, da Sister Nancy, reflete o momento pessoal da artista.

Antes do álbum solo, Lauryn fazia parte dos Fugees, com Pras Michel e Wyclef Jean. O grupo estourou com “The Score”, outro disco aclamado pela crítica, mas se separou em 1997 após desentendimentos, principalmente financeiros e relacionados ao fim do namoro entre Lauryn e Wyclef. Em “Lost Ones”, ela solta indiretas aos ex-companheiros: “É engraçado como o dinheiro muda uma situação. Falta de comunicação leva a complicações. Minha emancipação não se encaixa na sua equação. Eu estava humilde, você em todas as estações. Alguns querem interpretar a jovem Lauryn como se ela fosse burra. Mas lembre-se de que não é um jogo novo sob o sol”. Além da história com os Fugees, o álbum aborda a negritude, a experiência feminina, a busca por mudanças e, principalmente, o amor em suas diferentes formas.

**A caneta poderosa de uma jovem de 23 anos:** Grávida do segundo filho e cheia de incertezas, Lauryn escreveu letras poderosas e vulneráveis. Em “Superstar”, ela demonstra desilusão com a vida pós-fama: “O hip hop começou no coração, e agora todo mundo está tentando mapear… Agora me diga sua filosofia sobre o que exatamente um artista deveria ser. Eles devem ser alguém com prosperidade e nenhum conceito de realidade?”. Ela também usou referências bíblicas para abordar questões sociais, como em “Forgive Them Father”, com um trecho do Pai Nosso, que oscila entre ódio e paz, rancor pelo racismo e celebração do movimento negro: “Por que as pessoas negras sempre são as únicas que pagam? Marche por estas ruas como em Soweto”. “Doo Wop (That Thing)”, seu maior hit solo, critica relacionamentos superficiais, onde sexo e status superam o interesse genuíno, com um apelo às mulheres para recusarem a objetificação: “É bobagem quando as meninas vendem suas almas porque está na moda”. Em “Lost Ones” ela é durona, já em “Ex-Factor”, implora por reciprocidade num relacionamento conturbado: “Amar você é como uma batalha, e nós dois terminamos com cicatrizes. Me diz, quem eu preciso que ser para ter um pouco de reciprocidade?”. Essa mistura de coragem e vulnerabilidade, de força e emoção, é o que torna o álbum tão marcante. Ele ia contra a onda do rap gangsta que dominava a cena, abrindo espaço para um rap mais emotivo.

**Emoção em cada nota:** A voz de Lauryn é outro ponto alto. Ela transita entre rimas rápidas de rap e cantos melódicos quase angelicais, algo raro no hip hop da época. “To Zion”, talvez a faixa mais linda do álbum, é um exemplo perfeito, com piruetas vocais e um coro gospel arrebatador, uma homenagem ao filho da cantora e uma resposta às pressões sofridas por engravidar no auge da carreira: “Eu sabia que a vida dele merecia uma chance, mas todo mundo me disse para eu ser inteligente. ‘Olhe para a sua carreira’, disseram eles. ‘Lauryn, querida, use sua cabeça’. Mas em vez disso escolhi usar meu coração. Agora, a alegria do meu mundo está em Zion”. As participações especiais de D’Angelo, Carlos Santana e Mary J. Blige completam a riqueza sonora e emocional do álbum.

**O sucesso e suas consequências:** O sucesso estrondoso de “The Miseducation of Lauryn Hill” também trouxe problemas. No final de 1998, ela foi processada por quatro colaboradores que alegaram não ter recebido o crédito devido. A batalha judicial durou até 2001, com um acordo que, segundo a Rolling Stone, custou US$ 5 milhões aos envolvidos. Essa experiência, aparentemente, desestimulou Lauryn a lançar novos álbuns de inéditas, mas sua obra-prima continua viva e a consagra como uma das maiores artistas da história da música. E, pra seus fãs, a espera por um novo álbum não diminui em nada a admiração por essa obra-prima que é “The Miseducation of Lauryn Hill”.

Fonte da Matéria: g1.globo.com