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Ídolo do K-pop Bain desafia tabus e se declara gay em show nos EUA

Em uma noite fria de abril, durante um show em Los Angeles, o ídolo do K-pop Bain, do grupo Just B, fez um anúncio que ecoou pelo mundo: ele se declarou gay. Olha só, o cara, de 24 anos, usando um casaco de pele enorme e óculos escuros, parou a música no meio da apresentação e, diante de milhares de fãs, soltou a bomba: “Antes da próxima música, quero compartilhar algo com vocês. Tenho um orgulho danado de fazer parte da comunidade LGBTQ!”. A reação? Uma explosão de gritos e aplausos! Na sequência, Bain cantou “Born This Way”, da Lady Gaga, um verdadeiro hino LGBTQ+. Em entrevista à BBC em seu estúdio em Seul, ele contou que, na hora, estava mais preocupado em “parecer cool” do que nervoso.

A atitude de Bain, mesmo em 2025, é ousada. A indústria do entretenimento sul-coreana é extremamente conservadora, impondo padrões quase impossíveis às estrelas. Até mesmo assumir um relacionamento heterossexual pode gerar um baita escândalo. Ele sabia dos riscos: “Tinha gente do ramo que me alertou, dizendo que seria um risco. E claro que eu pensei no risco – que poderíamos perder fãs. Mas aí pensei: a sociedade tá mudando… talvez eu ganhe mais do que perca”. E essa é a grande pergunta: será que ele abriu caminho para uma mudança de mentalidade num setor global, mas ainda profundamente enraizado na Coreia do Sul tradicional?

Bain, cujo nome verdadeiro é Song poreonghee, contou que percebeu sua homossexualidade aos 12 anos, ainda no ensino médio. Na época, ele entrou para um programa de treinamento de ídolos do K-pop, mas escondeu sua orientação sexual. “Não era algo que eu questionava… Eu simplesmente achava que não tinha escolha”, disse ele. “Não havia mais ninguém [ao meu redor que fosse gay]. Eu achava que podia simplesmente fingir e seguir em frente.”

A Coreia do Sul, apesar de moderna e rica, mantém tradições conservadoras. Igrejas influentes veem a homossexualidade como pecado, e o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é legalmente reconhecido. Bain estreou em 2021 com o Just B, uma boy band de seis integrantes, lançando álbuns e participando de realities, conquistando uma legião de fãs. Mas esconder parte de si mesmo pesou. “Fiquei tão sufocado que pensei que talvez não pudesse ser um idol. Senti que estava me escondendo demais. Decidi conversar com minha mãe.”

Há cerca de três anos, ele contou à mãe, a primeira pessoa da família a saber. “Conversamos por uma hora, e eu finalmente disse: ‘Gosto mais de homens do que de mulheres’. Foi aí que ela soube.” A reação dela foi complexa: “Sinceramente, ela não gostou – não no começo. Ela disse que achava que eu poderia superar isso, que talvez um dia eu gostasse de mulheres. Ela ficou triste… pensando que eu agora enfrentaria reações negativas dos outros. Mas [ela] disse: ‘Você é meu filho, então eu te amo, te apoio, te amo’. Foi uma mistura de sentimentos. Fiquei triste, mas, no final, grato por ela ter dito que me ama.”

Depois, os membros da banda e a gravadora o encorajaram a assumir sua sexualidade publicamente. No início deste ano, durante a última parada da turnê mundial nos EUA, ele decidiu se declarar no palco. Desde então, o grupo ganhou ainda mais destaque, com Bain dando diversas entrevistas e se tornando um símbolo para a comunidade LGBTQ+ coreana. “Sinto que mudei muito desde que me declarei gay. Me sinto mais confiante. Quando conheço alguém novo, mostro quem eu sou imediatamente”, afirma ele. “Mas também me sinto triste pelo fato da minha identidade ser um assunto tão importante agora.” Seu desejo é que, no futuro, as pessoas parem de dizer “ah, ele é gay” e simplesmente vejam “ah, é quem ele é”.

O anúncio de Bain não foi o primeiro caso de uma celebridade assumindo sua homossexualidade na Coreia do Sul. Em 2000, o ator Hong Seok-Cheon se declarou gay, tornando-se a primeira celebridade coreana a fazer isso publicamente. Ele pagou um preço alto, sendo retirado de programas de TV e propagandas. Apesar disso, a sociedade tem demonstrado mais aceitação. Uma pesquisa do Pew Research Center de 2019 mostrou um aumento na aceitação da homossexualidade, de 25% em 2002 para 44% em 2019. Ainda assim, poucos outros artistas se declararam abertamente LGBTQ+. Holland, em 2018, foi o primeiro artista de K-pop abertamente gay, e Jiae, ex-integrante do grupo Wassup, se declarou bissexual em 2020. Ambos enfrentaram dificuldades para assinar com gravadoras.

Diferentemente, o anúncio de Bain foi amplamente comemorado por fãs e pela comunidade LGBTQ+ coreana. Uma mulher transgênero de 26 anos, que preferiu não se identificar, disse: “Quando alguém como um ídolo sai do armário, dá a pessoas como eu a sensação de que não estamos sozinhos. Isso traz conforto… me faz pensar que talvez não tenha problema ser do jeito que sou.” A maioria dos comentários online também foram positivos. Um fã gay escreveu no YouTube como se sentiu encorajado por Bain, após enfrentar “tanto desespero” diante de “discursos de ódio” e discriminação. “Mas, graças a Bain, encontrei a coragem para seguir adiante.” Fãs internacionais também celebraram sua coragem. Lia, uma fã lésbica dos EUA, disse: “Depois do choque inicial, comecei a chorar. Sabendo que a Coreia ainda tem alguma repressão contra pessoas LGBTQ+, a bravura e a coragem que ele demonstrou ao se declarar… [foi] admirável.”

A crescente influência cultural da Coreia do Sul globalmente atrai fãs com diferentes perspectivas, que podem influenciar o setor de K-pop. Mas essa mudança levará tempo, como demonstra a variedade de reações ao anúncio de Bain – da desaprovação à apatia. O país tem visto um aumento no conservadorismo, principalmente entre jovens homens, que se opõem a qualquer questionamento dos papéis tradicionais de gênero, ainda muito fortes na Coreia do Sul. O governo e a igreja defendem valores familiares convencionais, incentivando os jovens a se casarem e terem filhos para aumentar as baixas taxas de natalidade. Nesse contexto, a homossexualidade continua um tabu, mesmo num setor global como o K-pop. Segundo o crítico Lim Hee-yun, o K-pop passou quase 25 anos evitando o tema da sexualidade. Até mesmo relacionamentos heterossexuais são ocultados.

Lim considera o ato de Bain “um desafio simbólico e poderoso, marcando um momento importante”. No entanto, ele acredita que a reação poderia ter sido mais intensa se um integrante de uma boy band global tivesse se declarado gay. “O caso de Bain foi significativo, mas a banda dele não é tão famosa, por isso não causou tanto alvoroço no país”, avalia Lim. Ele concorda, porém, que Bain ajudou a aumentar a conscientização. Min Yong-Jun, colunista de cultura pop, explica que a questão não é apenas social, mas também de mercado. Ídolos masculinos geralmente têm uma base de fãs feminina maior, e assumir a homossexualidade pode quebrar a fantasia de algumas fãs. “Portanto, se eles [saem do armário], correm o risco de abalar o alicerce sobre o qual sua base de fãs foi construída.”

Bain, no entanto, diz que sua decisão valeria a pena mesmo que apenas “uma pessoa no K-pop se fortalecesse” com sua atitude. “Passei tanto tempo fingindo… Percebi que, por ter me declarado, outras pessoas se sentiam seguras para fazer isso também.” No dia em que se declarou, vários fãs o abordaram, dizendo que eram gays ou lésbicas, compartilhando suas próprias experiências. “Eles me agradeceram, e eu pensei comigo mesmo: ‘Deveria ter feito isso antes’.”

Fonte da Matéria: g1.globo.com