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IA na Moda: Revolução Criativa ou Ameaça aos Profissionais?

A Vogue, a bíblia da moda, causou polêmica ao publicar, pela primeira vez, um anúncio com uma modelo gerada por inteligência artificial. Nas edições impressas de agosto da Vogue americana, britânica e francesa, lá estava ela: uma loira de olhos claros, com o corpo de uma Barbie, estrelando a campanha de verão da Guess. Um detalhe quase imperceptível, um aviso minúsculo, revelava o segredo: “Produzido [pela agência] Seraphinne Vallora a partir de IA”. A internet explodiu! A repercussão foi imediata, principalmente entre os profissionais da área, que se sentem cada vez mais ameaçados pela ascensão da IA na moda.

A modelo plus size Felicity Hayward, por exemplo, detonou a campanha da Guess, chamando-a de “preguiçosa e barata” em entrevista à BBC. Ela confessou sentir-se desanimada e apavorada com o futuro da indústria. A Model Alliance, importante grupo de defesa dos direitos de modelos em Nova York, também se manifestou, expressando preocupação com as implicações dessa nova realidade. A Vogue, por sua vez, se limitou a esclarecer que se tratava de um anúncio, não de um editorial, lembrando que já havia utilizado IA em outras ocasiões, mas de forma bem diferente.

Em 2023, a Vogue Itália já havia usado IA, mas de maneira mais artística. A capa, com Bella Hadid, apresentava um cenário futurista criado por IA, com um forte apelo estético. Dessa vez, porém, a situação é outra. A Guess usou a IA aparentemente só para reduzir custos – sem nenhuma inovação estética. É a mesma fórmula de sempre, mas sem os profissionais: modelo, maquiador, fotógrafo, cenógrafo, diretor de criação… ninguém! Tudo isso sem pagar cachê algum.

Olivia Merquior, pesquisadora e CEO da Iara, empresa de gestão de projetos de tecnologia e inovação para moda, beleza e cultura, explica: “Se você olhar as campanhas antigas da Guess, vai ver que elas são todas muito parecidas. Eles nunca apostaram em grandes nomes da fotografia, cenografia ou passarela”. Ela observa que as modelos reais da Guess, assim como a versão IA, seguem o mesmo padrão: mulheres brancas, de olhos claros e magras – a personificação do ideal de beleza imposto culturalmente. “A Guess, como marca, não é exatamente sinônimo de inovação estética há tempos. Agora, eles simplesmente reproduziram o que já faziam, só que com IA”, completa Olivia.

A Guess não está sozinha. Mango e Reebok também têm usado IA para gerar imagens simples de modelos virtuais. A Levi’s, em 2023, anunciou investimentos em modelos geradas por IA para aumentar a diversidade em suas campanhas. Mas após uma enxurrada de críticas, voltou atrás, afirmando que não abandonaria os ensaios fotográficos tradicionais.

A tendência, segundo especialistas, é que a IA ganhe cada vez mais espaço nas campanhas de moda. “A inteligência artificial é extremamente poderosa no mercado da moda”, afirma Olivia. “Ela ajuda a analisar padrões climáticos, fluxos de compra, tendências, desperdícios de materiais e até mesmo o gerenciamento de estoque, evitando que peças acabem em aterros sanitários”. Além disso, a IA abre novas portas para a criatividade, como demonstrado pelo artista Refik Anadol na celebração dos 75 anos da Bvlgari, onde utilizou IA para projetar a icônica serpente da marca em uma instalação imersiva psicodélica e elegante, algo totalmente inédito.

Mas, segundo Olivia, o problema está na mentalidade por trás do uso da IA: “O que torna a inteligência artificial tão negativa no mercado é essa busca desenfreada por aumentar a margem de lucro, a qualquer custo. Em marcas que se preocupam com a estética, não dá para simplesmente dispensar fotógrafos, modelos e diretores de arte. É esse trabalho que garante a renovação da marca.”

O medo dos profissionais é compreensível, admite a pesquisadora. Mas, como ela ressalta, esse não é um fenômeno novo no capitalismo. A tecnologia sempre trouxe mudanças, extinguindo algumas profissões e criando outras. Com a IA, não será diferente. “Sim, haverá substituições. Mas isso não significa que a luta dos sindicatos contra a apropriação indevida deva ser abandonada. Pelo contrário!”

Por enquanto, modelos reais ainda são muito requisitadas. A esperança é que a indústria não retroceda, mantendo a diversidade de corpos – algo que a agência Seraphinne Vallora, criadora da modelo virtual da Guess, claramente não fez, focando em um único tipo de beleza.

Fonte da Matéria: g1.globo.com