Ontem, 12 de setembro, Geraldo Vandré, o enigmático ícone da Música Popular Brasileira (MPB), completou 90 anos. Nascido em João Pessoa (PB) como Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, em 1935, ele é uma figura singular, um enigma que a história ainda não decifrou por completo. A data, sem dúvida, é um marco importante. Afinal, quantos artistas relevantes da MPB chegam aos 90 anos com tamanha aura de mistério?
Vandré, depois da morte da esposa em 2021, voltou a São Paulo, após anos vivendo no Rio de Janeiro e em outras cidades. Mas ele segue isolado, retraído, quase um eremita, essa é a realidade há cinco décadas. Ainda que, de vez em quando, conceda alguma entrevista.
A perseguição política que marcou a vida de Vandré começou na década de 1960. Em 1964, ano do golpe militar, ele lançou seu primeiro álbum. Mas foi “Pra não dizer que não falei de flores” – conhecida popularmente como “Caminhando” – que o catapultou à fama e, ao mesmo tempo, o jogou no olho do furacão. A música, um verdadeiro hino para o movimento estudantil de 1968, tornou-se uma arma política poderosa. Isso o elevou ao patamar de compositor que mobiliza uma nação, mas também o lançou no inferno da censura e da perseguição.
Vandré se tornou um mártir da música brasileira, um símbolo de resistência à ditadura. Após a censura de sua canção em 1968, ele passou a viver à margem, longe dos holofotes. Seu último álbum, “Das terras de benvirá”, foi lançado em 1970, na França, onde buscou refúgio. O disco só foi editado no Brasil em 1973. Ele também viveu um tempo no Chile.
O retorno ao Brasil, em 1973, foi marcado por um episódio surpreendente: Vandré escapou da prisão graças à intervenção de um general, Estevão Taurino de Rezende Netto (1900-1982). A partir de então, viveu um tipo de exílio interno, negando, em raras entrevistas, ter sofrido torturas.
Suas aparições públicas se tornaram raríssimas. A última aconteceu em março de 2018, quando, após 50 anos de reclusão quase total, ele fez dois shows sinfônicos em João Pessoa (PB), na Sala de Concertos Maestro José Siqueira, no Espaço Cultural José Lins do Rego. Ironicamente, seu último show profissional no Brasil antes disso fora em Anápolis (GO), em 13 de dezembro de 1968, dia da promulgação do AI-5.
Curiosamente, apesar de suas firmes convicções nacionalistas e da perseguição sofrida, Vandré compôs, entre 1985 e 1988, a música “Fabiana” para a Força Aérea Brasileira (FAB). Inspirada pelo tratamento recebido em um hospital da Aeronáutica em São Paulo, essa composição gerou estranheza em muitos, considerando seu passado. Mas, na real, Vandré nunca explicou essa aproximação com os militares, e, sinceramente, não precisa.
No fim das contas, só ele sabe o que se passa em sua alma, carregada de dores, mágoas e traumas daqueles anos de luta. Se alguém deve algo a Geraldo Vandré, é o Brasil, que silenciou sua voz nos anos de chumbo. E, olha só, hoje, ele completa 90 anos, um marco para um artista que marcou a história da nossa música.
Fonte da Matéria: g1.globo.com