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Geoeconomia: Trump e a Era da Economia como Arma Geopolítica – O Brasil na Mira

Desde a campanha de 2024 e a posse em seu segundo mandato, Donald Trump não parou de falar em tarifas. Primeiro, foram México e Canadá, com seus produtos recebendo taxas de 25% logo de cara, num decreto-relâmpago. Depois, a Ásia, a União Europeia – que fechou um acordo em julho, com tarifas em 15% – e, recentemente, o Brasil entraram na mira. Olha só como essa escalada tarifária indica uma mudança gigante no cenário global: a ascensão da geoeconomia!

Nesse novo jogo, países – principalmente os desenvolvidos – usam ferramentas econômicas como armas geopolíticas: sanções, regras de investimento, mexidas na moeda e, claro, tarifas. E, sabe qual o grande prejudicado, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil? A Organização Mundial do Comércio (OMC)!

Enquanto a OMC tenta definir regras comerciais com acordos e princípios gerais, a geoeconomia é um vale-tudo, cada um por si, sem um juiz internacional. E, acredite, muitos acham que o Brasil vai levar um baita prejuízo nessa nova ordem. Por quê?

**As ‘Armas’ da Geoeconomia**

No discurso de posse, em janeiro, Trump anunciou que ia rebatizar o Denali, a maior montanha da América do Norte (Alasca), para Monte McKinley, em homenagem ao presidente americano William McKinley (1897-1901). Não foi à toa. McKinley, ainda congressista, criou a “Tariff Act”, ou “Tarifa McKinley”, de 1890, que aumentou as taxas de importação nos EUA em quase 50%. “Ele enriqueceu nosso país com tarifas e talento. Era um gênio dos negócios!”, disse Trump em Washington.

Renato Baumann, pesquisador do Ipea e professor da UnB, explica que a Casa Branca quer combater o déficit comercial “custa o que custar” – e as tarifas são a solução, na visão deles. “É uma lógica bem básica, comparando alíquotas. O que é estranho é que barreiras tarifárias não estavam na pauta global. O foco era em barreiras não-tarifárias”, observa o economista.

Para Baumann, essa mudança, liderada pelos EUA – até então a economia mais aberta do mundo, segundo ele – é reflexo de mudanças geopolíticas. A gente vê mais intervenções com punições financeiras, protecionismo e estratégias de investimento setoriais, em vez de guerras tradicionais. “Aí surgiu a geoeconomia”, afirma o pesquisador, autor de “A geoeconomia e a estrutura produtiva brasileira” (Ipea, 2025).

O conceito não é tão novo assim: surgiu num artigo de Edward Luttwak, em 1990, na revista The National Interest. Na época, com o fim da Guerra Fria, o poder militar perdia força, e os “métodos comerciais” assumiam o papel das tropas. “Capital em vez de poder de fogo, inovação civil em vez de avanço militar, penetração em mercados em vez de guarnições”, dizia o artigo. Sem guerra, o “mundo da política” dava espaço ao “mundo dos negócios”, com duas opções: competir ou cooperar, sempre além das fronteiras.

A economista Vera Thorstensen, da EESP-FGV, prefere a definição de “armamentização dos instrumentos econômicos”, do livro “War por Other Means” (2016), de Robert Blackwill e Jennifer Harris. Publicado antes do primeiro mandato de Trump, o livro previu o comportamento dele no comércio exterior. Para os autores, enquanto muitos países hesitam em usar “armas econômicas”, os EUA de Trump iriam usar tarifas, sanções e o poder do dólar para vantagens geopolíticas, atraindo investimentos ou punindo rivais como China e Rússia.

“Mas é soft power, influência sem força bruta. É pressão econômica, transformar instrumentos econômicos em armas para fortalecer a posição de quem os usa”, explica Thorstensen, coordenadora da Cátedra da OMC no Brasil. Ela trabalhou na missão brasileira da OMC em Genebra (1995-2010).

Além de tarifas, países usam endurecimento de regras de origem, barreiras sanitárias e subsídios. “Governos fazem isso de forma mais sutil. Trump não, mas a prática existe”, diz ela. Hoje, os EUA têm a tarifa média mais alta do mundo (17%, segundo a Fitch Ratings), contra 2% em 2024. O Brasil teve média de 12,4% em 2024 (FGV Ibre).

Outro instrumento é o investimento, muito usado pela China. “A China investe em portos, minas, infraestrutura, tudo em dólar. Quando o país se endivida, ela assume o que construiu, em concessões de 30, 100 anos, para pagar a dívida”, observa Thorstensen. “A Nova Rota da Seda é assim. Não foi Trump quem começou, foi a China!”

Há também os instrumentos digitais, das fake news à dependência das big techs do Vale do Silício. Thorstensen prevê até as “geofinanças”, com os EUA e seu “grave” problema de déficit comercial. “A política tarifária de Trump é para exportar mais. Mas isso valoriza o dólar, e eles querem desvalorizar para interesses nacionais. Controlar o dólar é crucial nas ‘geofinanças'”, afirma.

**Conflitos Exacerbados**

A definição de geoeconomia não é unânime. A BBC News Brasil conversou com dez especialistas, e alguns acham que é só a velha geopolítica. “No fundo, é a mesma coisa”, diz Daniel Kosinski, professor da Uerj. “Geopolítica sempre lidou com produção, distribuição e consumo. Geoeconomia sempre existiu.”

Para Kosinski, o importante é entender por que os conflitos econômicos estão tão intensos agora. A resposta, segundo ele, é a China. “Ela ascendeu, e os EUA querem conter isso. Os chineses souberam usar a globalização americana dos anos 1960 em diante.”

“Isso só foi possível porque nenhum outro país conseguiu se libertar da subordinação americana – Japão, Alemanha, Grã-Bretanha – até agora. Todos eram e são sujeitos ao Exército e às finanças dos EUA. A China, não.”

É uma visão parecida com a do Global Capital Allocation Project (GCAP), que diz que a China domina as cadeias de fornecimento e os minerais de terras raras, tendo hegemonia produtiva. Os EUA, com o dólar, dominam as finanças. Trump quer diminuir o poder industrial chinês e proteger o controle financeiro americano. “Mas não dá para isolar a China de uma vez, pois isso afetaria um terço da produção mundial. Então, os EUA estão tentando aos poucos”, diz Kosinski.

Essa estratégia inclui desmontar instituições como a OMC, aplicar tarifas altas na China (hoje em 30%, chegando a 145% em maio, antes das negociações em Estocolmo) e atacar “satélites” econômicos. “Eles foram para a Europa e o Japão e conseguiram acordos criticados. Agora, é a nossa vez”, diz, referindo-se às tarifas contra o Brasil.

**Brasil na Era da Geoeconomia**

Em julho, Trump anunciou 40% de tarifas adicionais sobre importações brasileiras, além dos 10% anteriores. Os EUA abriram uma investigação sobre “práticas comerciais desleais”, citando indiretamente o Pix. A decisão foi justificada como resposta à “caça às bruxas” contra Bolsonaro.

No dia seguinte, a Amcham divulgou relatório mostrando superávit americano de US$ 1,7 bilhão no primeiro semestre de 2025, repetindo em menor escala o resultado de 2024 (US$ 253,3 milhões de superávit em um comércio de US$ 80,9 bilhões). O Brasil tem déficit comercial com os EUA desde 2009.

Para os economistas, esses números reforçam a lógica geoeconômica e o papel do Brasil nela. “Os interesses por trás do tarifaço no Brasil são geoeconomia pura”, afirma Baumann. O argumento sobre Bolsonaro é “jogo de cena”, para influenciar o mercado em favor das big techs e cartões de crédito, além de conter os BRICS, principalmente a ideia de transações sem dólar. Os BRICS representam uma ameaça à hegemonia americana.

“O cenário é trágico para nós”, diz Thorstensen. “Ficamos no meio do caminho entre China e EUA. Agora, teremos que escolher um lado.”

Outra complexidade: enquanto os EUA impõem tarifas, a China absorve mercados brasileiros. Em 2024, o comércio entre Brasil e China foi de US$ 188,17 bilhões, com a China absorvendo 28% das exportações brasileiras (FGV). Em 2014, foram US$ 40,6 bilhões e 18%. Argentina e Alemanha perder

Fonte da Matéria: g1.globo.com