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Espanha: Torre Pacheco, palco de violência xenófoba e racismo

Torre Pacheco, cidade da região de Múrcia, no sudeste da Espanha, virou cenário de protestos xenófobos e racistas desde a última sexta-feira (11 de julho), os piores das últimas décadas no país. A situação tá tão tensa que, segundo Nabil Moreno, líder da comunidade muçulmana local, “à noite, as pessoas têm medo; as crianças não se sentem seguras em casa”. Grupos de extrema-direita, muitos vindo de outras partes da Espanha e organizados pelas redes sociais, estão promovendo o que o ministro do Interior espanhol chamou de “caça a imigrantes”.

Moreno, que mora em Torre Pacheco há 25 anos, conta que “nunca teve problemas com os vizinhos, que são muito gentis e amigáveis”. Para ele, os responsáveis pelos distúrbios são de fora. Armados com paus e barras de ferro, e frequentemente com o rosto escondido, esses grupos têm patrulhado a cidade, principalmente o bairro de San Antonio, de maioria imigrante, em busca de pessoas de origem norte-africana. A resposta? Grupos de jovens norte-africanos, alguns de segunda geração, os aguardavam e os confrontavam.

O resultado? Pelo menos cinco feridos e oito prisões. Mas a situação continua explosiva e a ameaça de novos confrontos é real, já que grupos de extrema-direita prometeram mais ações para os dias 15, 16 e 17 de julho. Torre Pacheco tem cerca de 40 mil habitantes, um terço deles imigrantes. Esse crescimento populacional acelerado nos últimos anos se deve ao boom da agricultura local, que emprega muitos estrangeiros.

**O estopim:** Tudo começou com um ataque brutal a um idoso, Domingo, em 9 de julho. Enquanto caminhava para o cemitério, ele foi atacado por três jovens. Um filmava com o celular, outro gritava em “língua estrangeira” e o terceiro o agrediu. Domingo, de 68 anos, mal se lembra do ocorrido. Não houve roubo, então a hipótese é que o objetivo era apenas filmar a agressão para as redes sociais, segundo o jornal La Opinión de Murcia. A imagem do idoso espancado chocou a população.

Essa imagem foi usada pela extrema-direita nas redes sociais para incitar o ódio contra marroquinos. Grupos se formaram no Telegram, com o canal “Deport Them Now Spain” (“Deporem-nos agora, Espanha”) convocando uma “caçada” nos dias 15, 16 e 17 de julho para encontrar os agressores, prometendo até mesmo “reuni-los com Alá”. Segundo o Eldiario.es, o canal ameaçou que se outros marroquinos não colaborassem na identificação dos agressores, “seriam automaticamente culpados e pagariam pelo que aconteceu”.

O partido Vox, há anos, associa criminalidade à imigração na Espanha. Santiago Abascal, líder do partido, compartilhou um vídeo nas redes sociais (já durante os distúrbios em Torre Pacheco, mas sem mencioná-los diretamente) falando em “invasão migratória brutal” que “roubou nossas fronteiras, nossa paz e nossa prosperidade”. Em frente a uma pintura que parecia representar a Reconquista, Abascal culpou o PSOE e o PP pela violência e exigiu “deportações imediatas”.

**Perseguições e violência:** Em protesto contra o ataque a Domingo, o prefeito convocou uma manifestação pacífica na sexta-feira. Centenas de moradores, inclusive muitos norte-africanos, participaram. Mas, ao final da tarde, tudo descambou. Dezenas de jovens, alguns de Torre Pacheco e outros de outras regiões da Espanha, saíram à procura dos agressores, gritando slogans racistas como “Mouros, filhos da p**”, “Viva Franco” e “À sua pátria”. Na sexta e no sábado, houve ataques a veículos e comércios de moradores norte-africanos, incluindo jornalistas, além de incêndios e arremesso de pedras e garrafas.

“Estamos fartos do crime, eu sou o primeiro, mas não podemos detê-lo com violência”, escreveu o prefeito, Pedro Ángel Roca (PP), no X (antigo Twitter). Os confrontos mais violentos ocorreram em San Antonio, onde grupos de jovens marroquinos encapuzados e armados aguardavam os agressores. Vídeos nas redes sociais mostram a violência dos ataques, muitos aleatórios. A Guarda Civil e a polícia local tiveram dificuldades para controlar a situação, mas conseguiram evitar uma escalada maior. No domingo, a Guarda Civil bloqueou as entradas da cidade, impedindo a entrada de grupos externos e dispersando grupos de jovens marroquinos. Mesmo assim, um restaurante de kebab foi invadido e destruído por um grupo de agressores encapuzados.

**Tensão política:** O ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, informou que oito prisões foram feitas, duas delas ligadas ao ataque a Domingo. Ele atribuiu as “caçadas” à retórica do Vox. Abascal, por sua vez, justificou a violência, dizendo que “a tensão vem antes da paz nos cemitérios”. Dias antes dos distúrbios, Rocío de Meer (Vox) defendeu a expulsão de “milhões de imigrantes” que não se “adaptam” à cultura espanhola. José Ángel Antelo (Vox) foi a Torre Pacheco para um evento chamado “Defenda-se da Insegurança” e foi denunciado ao Ministério Público pelo PSOE por crime de ódio. O Podemos fará o mesmo com Abascal.

Elisa Reche, diretora do Eldiario.es em Múrcia, acredita que o Vox, impulsionado pelo exemplo de Donald Trump, “está tendo seu momento e aproveita qualquer incidente”. Ela teme que a violência racista em Torre Pacheco se normalize. Em 2019, o Vox foi o partido mais votado em Torre Pacheco (mais de 38%) e na região de Múrcia (mais de 28%).

**Uma juventude desamparada:** Torre Pacheco cresceu de 15 mil para mais de 40 mil habitantes em poucas décadas, impulsionada pela agricultura irrigada, que gerou muitos empregos preenchidos por imigrantes, muitos do Magreb. Nabil Moreno argumenta que “as pessoas precisam de migrantes”, mas destaca um problema: “os jovens nascidos aqui, que se sentem abandonados; não se identificam nem como espanhóis nem como marroquinos”. Muitos são “ni-nis” (nem estudam, nem trabalham), estão nas ruas e carregam raiva e ódio, segundo Moreno, que já vivenciou situação semelhante em El Ejido, em 2000. Para ele, o problema não são os imigrantes recém-chegados, mas sim esses jovens de segunda geração, que se sentem marginalizados e sem perspectivas.

Fonte da Matéria: g1.globo.com