O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) abriu uma investigação criminal contra Lisa Cook, membro do Conselho de Governadores do Federal Reserve (Fed), por suspeita de fraude hipotecária. A notícia bombástica veio primeiro pelo Wall Street Journal. A investigação, segundo o jornal, tá sendo conduzida por Ed Martin, nomeado pela então procuradora-geral Pam Bondi. Martin é o procurador-assistente especial para casos de fraude hipotecária envolvendo figuras públicas.
Olha só: o DOJ já enviou intimações para grandes júris na Geórgia e Michigan, estados onde Cook possui imóveis que estão sob a lupa dos investigadores. Tudo começou com uma denúncia formal, uma carta pública do Bill Pulte, regulador do mercado imobiliário e conhecido aliado de Donald Trump.
Na semana passada, Trump, usando essa denúncia como munição, anunciou a demissão de Cook do Fed. Uma decisão, no mínimo, surpreendente e sem precedentes, que muitos veem como mais um ataque à independência do banco central americano. A justificativa? Fraude hipotecária. Trump alegou que Cook teria declarado falsamente duas residências como principais para conseguir melhores condições de financiamento.
Mas calma aí… A legislação do Fed é clara: o presidente dos EUA não pode simplesmente demitir membros do conselho sem justa causa. E Trump tentou amarrar essa acusação de fraude à tal “justa causa”. O documento com a acusação foi classificado como “referência criminal” e levou o Fed a pedir a investigação ao DOJ.
Peter Conti-Brown, especialista em história do Fed da Universidade da Pensilvânia, lembra que as transações mencionadas por Trump aconteceram *antes* da nomeação de Cook para o Fed e já tinham sido divulgadas durante sua sabatina no Senado. Na real, a interpretação da lei, mesmo sem ser explícita, indica que a “justa causa” se refere à conduta *durante* o exercício da função, e não a atos anteriores à nomeação ou a questões pessoais sem relação com o cargo.
Em nota divulgada por seu advogado, Cook afirma que sua demissão não tem base legal e que não vai renunciar. “O presidente Trump alegou ter me demitido ‘por justa causa’, mas não há justa causa prevista na lei, e ele não tem autoridade para isso”, disse o comunicado. O advogado prometeu usar todos os meios legais para impedir a demissão, considerada por ele ilegal. “Não vou renunciar. Continuarei a cumprir meus deveres para ajudar a economia americana, como venho fazendo desde 2022”, declarou Cook.
Essa tentativa de demissão de um membro do Conselho do Fed por decisão direta do presidente é inédita! O Fed foi criado justamente para proteger a política monetária de interferências políticas. Seus membros têm mandatos longos e escalonados, não podem ser autoridades eleitas nem parte do Executivo. Isso garante estabilidade e continuidade nas decisões econômicas. O Fed também não depende do orçamento do Congresso e não precisa de aprovação do presidente ou do Legislativo para suas decisões. Essa independência garante foco em metas de longo prazo, como pleno emprego e estabilidade de preços, sem ceder a interesses políticos imediatistas.
A tentativa de Trump de interferir diretamente na composição do Conselho do Fed é um sinal de alerta grave sobre a politização da política monetária. A credibilidade do Fed, considerado o banco central mais poderoso do mundo, depende da sua capacidade de tomar decisões técnicas, livres de influência política. Especialistas alertam que medidas como essa podem desestabilizar os mercados financeiros, principalmente num momento já complicado, marcado por efeitos de tarifas comerciais.
Quem é Lisa Cook?
Lisa Cook fez história em 2022 ao se tornar a primeira mulher negra no Conselho de Governadores do Fed. Economista renomada da Universidade de Oxford e doutora pela Universidade da Califórnia, Berkeley, ela lecionou economia e relações internacionais na Universidade Estadual de Michigan. Sua pesquisa se concentra nos impactos da discriminação na economia americana e nos efeitos desproporcionais das recessões sobre os mais pobres. Ela fala cinco idiomas, incluindo russo, e é especialista em desenvolvimento internacional, tendo trabalhado na recuperação de Ruanda após o genocídio de 1994. Indicada pelo então presidente Joe Biden para um mandato até 2038, Cook já integrou o conselho de assessores econômicos do presidente Barack Obama e trabalhou no Departamento do Tesouro dos EUA.
Fonte da Matéria: g1.globo.com