Neste domingo (10), o Dia dos Pais foi comemorado, mas, na prática, seu impacto econômico ficou bem longe do Dia das Mães. A diferença? Enorme! Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), enquanto o Dia das Mães de 2025 faturou impressionantes R$ 14,4 bilhões, a expectativa para o Dia dos Pais era de apenas R$ 7,8 bilhões – ou seja, quase metade!
Isso coloca o Dia dos Pais como a quarta data comemorativa mais importante do país, atrás do Natal, Dia das Mães e Dia das Crianças. Mas por que essa diferença tão gritante? A resposta, segundo especialistas ouvidos pela DW, vai muito além do comércio. Na real, ela reflete a desigualdade de gênero ainda presente na sociedade brasileira.
Thiago Queiroz, psicanalista, palestrante, pai de quatro filhos, autor do livro “O Poder do Afeto” e idealizador do site “Paizinho, Vírgula!”, explica: “A presença materna é celebrada com mais convicção. Afinal, mesmo que o pai ‘não dê conta’ da paternidade, a mãe muitas vezes está lá para compensar. É uma herança machista que privilegia os homens, como se o pai pudesse simplesmente decidir não ser pai, deixando tudo por conta da mãe.”
E olha só que detalhe: Queiroz lembra que milhares de crianças brasileiras sequer conhecem seus pais, ou vivem sem a presença do pai por conta de separações. “É um retrato da ausência do cuidado paterno”, afirma ele. “Aí fica difícil presentear a ausência, né?”
Dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) reforçam essa triste realidade. De 2016 para cá, quase 1,4 milhão (5%) dos quase 26 milhões de nascimentos registrados no país não tiveram o pai declarado. Já a Fundação Getúlio Vargas apontou que, em 2022, mais de 11 milhões de mães criavam seus filhos sozinhas.
Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACS), destaca o “apelo emocional e cultural muito mais forte” do Dia das Mães. A data é mais antiga, com oficialização em 1932, enquanto o Dia dos Pais surgiu em 1953, invenção do publicitário Sylvio Bhering, inicialmente em 16 de agosto, mudando para o segundo domingo do mês décadas depois e só ganhando força comercial nos anos 1970. “A figura materna está mais ligada ao cuidado e ao afeto familiar, impulsionando o consumo em vários segmentos”, completa Gamboa, apontando que o Dia dos Pais tem “padrões de consumo menos consolidados”.
Mariana Malvezzi, psicóloga e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), complementa: “Essa diferença mostra a centralidade histórica do papel materno e a construção social de gênero que associa a mulher ao cuidado e à afetividade”.
Para especialistas, ignorar o viés machista nessa disparidade econômica é impossível. “É um traço machista e misógino da nossa sociedade, que sobrecarrega a mãe, exigindo que ela seja a única responsável pelo cuidado do filho”, critica Queiroz. A imagem do pai provedor, enquanto a mãe assume a responsabilidade afetiva e educacional, persiste no imaginário popular. Os dois não ocupam o mesmo espaço emocional e simbólico. Muitos pais, inclusive, não se veem como figuras centrais na construção do vínculo afetivo com os filhos.
Telma Abrahão, neurocientista e autora de “Educar é um ato de amor, mas também de ciência”, explica: “Isso gera uma desconexão: a criança vê a mãe como principal referência afetiva, e o pai como algo mais periférico no dia a dia”. E isso afeta o consumo, já que presentes costumam simbolizar afeto. Se o pai é visto como menos presente, a data perde força simbólica e, consequentemente, comercial. Dani Fioravante, psicóloga e autora de “Eduque sem medo de errar (nem de acertar!)”, resume: o Dia dos Pais carrega o peso de uma representação distante – a do provedor, e não a do cuidador próximo. Isso impacta o engajamento da data.
Mas há uma luz no fim do túnel. Cada vez mais, pais entendem que seu papel vai além de pagar contas ou “ajudar” a mãe. Queiroz observa essa mudança em suas palestras, com mais pais assumindo a criação conjunta, dos cuidados diários ao carinho. A publicidade também reflete essa transformação, com campanhas que fogem do estereótipo do “homem-provedor”, mostrando pais amorosos e presentes. Malvezzi percebe um movimento nesse sentido, com marcas investindo em narrativas que refletem a paternidade ativa e diversa.
Para Queiroz, a mudança social só será completa quando os homens começarem a conversar abertamente sobre paternidade – algo raríssimo. “A gente não conversa sobre isso entre nós. Esse pacto de silêncio reforça a sociedade machista e patriarcal, sobrecarregando as mulheres”, conclui.
Fonte da Matéria: g1.globo.com