No Japão, terra tradicionalmente associada à cultura do trabalho árduo e dedicação extrema à empresa, uma mudança significativa está acontecendo. A “demissão silenciosa” – ou *quiet quitting*, em inglês – chegou com tudo, e a tendência tá pegando cada vez mais gente. Afinal, quem quer sacrificar a vida pessoal em nome da carreira? Em Tóquio, dados recentes apontam que cerca de 45% dos trabalhadores estão adotando essa prática. Olha só que impacto!
O termo, originalmente cunhado nos EUA em 2022, ganhou contornos diferentes no contexto japonês, causando, digamos, certo arrepio nos mais tradicionais. A ideia central? Chegar no horário, cumprir o mínimo necessário e ir embora assim que o expediente acabar. Promoções? Elogios? Salários melhores com mais trabalho? Nada disso interessa mais a muitos. Bônus por desempenho? Nem pensar!
Um estudo realizado pelo Mynavi Career Research Lab, em Tóquio, com 3 mil trabalhadores entre 20 e 59 anos, confirmou a tendência. Impressionante: quase metade dos entrevistados (45%) admitiu praticar a “demissão silenciosa”. E sabe quem tá na liderança dessa mudança? Os jovens na faixa dos 20 anos.
Mas por que essa mudança tão radical? Conversamos com Issei, 26 anos (nome completo preservado a pedido), que resume tudo com uma frase: “Quero mais tempo para mim”. Ele explica: “Não odeio meu emprego, preciso trabalhar para pagar as contas, mas prefiro estar com os amigos, viajando ou em um show de música”. A diferença entre as gerações é enorme. “Meu avô, meus pais… eles achavam que só tinham a opção de trabalhar duro para ganhar mais. Eu não consigo entender. Prefiro equilibrar trabalho e lazer. Acho que a maioria dos meus amigos pensa igual”.
De acordo com a pesquisa, a busca por mais tempo livre é a principal motivação. Uma parte dos entrevistados se justifica dizendo que o trabalho realizado corresponde ao salário recebido, que se sentem satisfeitos com sua contribuição e que mantém um senso de realização profissional. Outros, porém, confessam que fazem apenas o suficiente para sobreviver, pois sentem que sua contribuição não é valorizada ou que não tem interesse em promoções ou progressão de carreira.
Sumie Kawakami, professora de ciências sociais na Universidade Yamanashi Gakuin e consultora de carreira, explica essa transformação: “Muitos jovens viram seus pais se sacrificarem pela empresa, trabalhando horas extras sem fim, deixando de lado a vida pessoal. Eles perceberam que não querem esse tipo de vida”. A realidade das empresas também mudou. “No passado, a empresa garantia emprego estável, bons salários e benefícios até a aposentadoria. Hoje, isso não é mais a regra. As empresas cortam custos, os contratos são menos estáveis e os salários e bônus não são tão atraentes”, completa Kawakami em entrevista à DW.
A pandemia de Covid-19 também teve seu papel. As restrições impostas fizeram muitos repensarem suas prioridades, e uma nova geração de jovens adultos tem dificuldade em aceitar o conceito de “compromisso vitalício” com uma empresa, segundo Kawakami. Izumi Tsuji, professor de sociologia da cultura na Universidade Chuo, em Tóquio, corrobora: “Há uma grande mudança de atitude entre os jovens e minha geração (50 anos). Antes, a lealdade era extrema, as horas extras eram comuns, e mudar de empresa era impensável. Em troca, a empresa garantia sustento até a aposentadoria. Hoje, os jovens querem mais liberdade, hobbies, equilíbrio entre vida pessoal e profissional”. Tsuji vê essa mudança de forma positiva. “Com mais tempo livre, eles podem consumir mais, impulsionando a economia, ou formar família. Isso é crucial num país com população em declínio”.
Kawakami levanta outro ponto crucial: o “karoshi”, termo japonês para morte por excesso de trabalho. “As gerações mais velhas davam 150% de si, mas o preço era alto”. Em 1998, foram registrados 32.863 suicídios no Japão, muitos ligados ao trabalho excessivo. Embora o número tenha diminuído gradualmente desde então, chegando a cerca de 20.320 em 2024 (o segundo menor número desde 1978), a professora ressalta que a “demissão silenciosa” pode significar pessoas mais felizes e com melhor saúde mental. “Os jovens não se sentem mais obrigados a permanecer em empregos infelizes”, conclui.
*Se você está passando por dificuldades emocionais ou pensamentos suicidas, procure ajuda. No Brasil, o CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece apoio 24 horas por dia pelo telefone 188 (ligação gratuita) ou chat online em https://cvv.org.br/. Para informações internacionais, acesse: https://www.befrienders.org/.
Fonte da Matéria: g1.globo.com