Na última sexta-feira (1º), o então presidente Donald Trump protagonizou mais um ato polêmico: a demissão da economista Erika McEntarfer, chefe do Bureau of Labor Statistics (BLS), órgão responsável pelo relatório mensal de empregos nos EUA. A demissão, anunciada com estrondo nas redes sociais, pegou muita gente de surpresa. Afinal, quem diria que um cargo tão técnico, geralmente longe dos holofotes, se tornaria palco de uma briga política?
A gota d’água, segundo Trump, foram os dados divulgados no mesmo dia: uma desaceleração nas contratações em julho, além de revisões negativas para maio e junho. Sem apresentar provas concretas, ele acusou McEntarfer de manipular os números e, acredite, lembrou que ela havia sido indicada por Joe Biden. “Precisamos de números de emprego precisos! Ordenei à minha equipe que demitisse essa indicada política de Biden, IMEDIATAMENTE. Ela será substituída por alguém muito mais competente e qualificado”, disparou Trump em sua rede social, a Truth Social. Olha só a repercussão!
Mas quem é Erika McEntarfer? Essa economista, com uma trajetória brilhante, liderava o BLS há cerca de um ano e meio. Sua formação acadêmica é invejável: bacharelado em Ciências Sociais pelo Bard College e doutorado em Economia pelo Virginia Polytechnic Institute and State University (Virginia Tech). Antes de assumir o cargo, ela acumulou experiência em lugares importantes, como o Centro de Estudos Econômicos do Census Bureau, o Departamento do Tesouro (na área de política tributária) e até mesmo no Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca – sempre em funções técnicas, longe da política partidária. Sua especialização? Perda de emprego, aposentadoria, mobilidade do trabalhador e rigidez salarial. Impressionante, não é?
Sua indicação ao cargo, em 2023, foi aprovada por uma votação expressiva no Senado americano (86 a 8). Inclusive, alguns senadores republicanos, como JD Vance (que viria a se tornar vice-presidente de Trump) e Marco Rubio (atual secretário de Estado), votaram a favor da sua nomeação. Um grupo chamado Friends of the BLS, formado por ex-comissários, membros de associações estatísticas e economistas renomados, afirmou que a experiência de McEntarfer a tornava a pessoa ideal para o cargo, destacando a necessidade de uma liderança forte em um momento de grandes mudanças na agência.
A demissão gerou indignação entre ex-colegas. William Beach, ex-líder do BLS (nomeado por Trump em 2019), classificou a decisão como “sem fundamento”, alertando para um “precedente perigoso” que mina a credibilidade da agência. Sarah J. Glynn, ex-economista-chefe do Departamento do Trabalho, destacou a reputação impecável de McEntarfer em relação à precisão dos dados, afirmando que ela sempre evitou qualquer conotação política em seu trabalho. Heather Boushey, pesquisadora sênior da Universidade Harvard, que trabalhou com Erika na Casa Branca, reforçou essa imagem, descrevendo-a como brilhante e focada exclusivamente na análise técnica.
Mas o que realmente incomodou Trump? Os dados de julho mostraram a criação de apenas 73 mil empregos, bem abaixo do esperado. Ainda mais preocupantes foram as revisões negativas para os meses anteriores: 258 mil empregos a menos em maio e junho do que o inicialmente reportado. A taxa de desemprego subiu para 4,2%. Um funcionário da administração Trump, sob condição de anonimato, admitiu que a Casa Branca estava insatisfeita com o tamanho dessas revisões e com a queda na taxa de resposta às pesquisas, um problema que, segundo ele, se arrastava desde a pandemia de COVID-19. “Existem esses problemas subjacentes que estão se acumulando há anos e que não foram corrigidos”, disse o funcionário. “Os mercados, as empresas e o governo precisam de dados precisos, e, tipo, simplesmente não estávamos recebendo isso.”
A taxa de resposta à pesquisa de emprego caiu de 80,3% em outubro de 2020 para cerca de 67,1% em julho, segundo dados do BLS. Uma pesquisa da Reuters, inclusive, revelou que a maioria dos principais especialistas em políticas econômicas tinham preocupações com a qualidade dos dados americanos. Além dos dados de emprego, cortes de pessoal no BLS também afetaram a coleta de dados para o Índice de Preços ao Consumidor, indicador crucial para a inflação.
A decisão de Trump gerou grande preocupação sobre a influência da política na coleta e divulgação de dados econômicos. Michael Madowitz, economista-chefe do Roosevelt Institute’s Roosevelt Forward, alertou sobre os riscos de politizar as estatísticas, afirmando que a credibilidade dos dados é fundamental para a economia americana. “Politizar estatísticas econômicas é um ato autodestrutivo”, disse Madowitz. “A credibilidade é muito mais fácil de perder do que de reconstruir, e a credibilidade dos dados econômicos dos EUA é a base sobre a qual construímos a economia mais forte do mundo. Cegar o público sobre o estado da economia tem um histórico conhecido — e nunca termina bem.” *Com informações da Associated Press e Reuters*
Fonte da Matéria: g1.globo.com