Assucena e João Camarero fizeram um show simplesmente arrebatador no Clube Manouche, no Rio de Janeiro, na sexta-feira, 15 de agosto. A apresentação, a primeira de duas no charmoso espaço que lembra um cabaré chique, foi uma verdadeira celebração da música brasileira, um “tesouro nacional”, como a própria Assucena definiu com razão. A dupla, ela no vocal e ele no violão, encantou a plateia com um repertório que ia de clássicos a surpresas.
Olha só: o show, ainda em fase de “estado de feitura”, como a própria Assucena brincou várias vezes, é uma evolução natural da apresentação que fizeram em junho no Sesc São Paulo. Naquela ocasião, eles se basearam no repertório do álbum “À Flor da Pele” (1991), um marco que registrou a parceria entre Ney Matogrosso e Raphael Rabello em 1990.
João Camarero, que já se consagrou como um mestre do violão, abriu o show com um medley instrumental de tirar o fôlego. Um legítimo herdeiro de Baden Powell, ele executou com maestria três afrosambas compostos por Baden Powell e Vinicius de Moraes: “Canto de Ossanha” (1966), “Berimbau” (1963) e “Consolação” (1963). A precisão e a naturalidade eram impressionantes!
E Assucena? Meu Deus! Essa cantora, que já brilhou no trio As Bahias e a Cozinha Mineira e também se aventurou pelo repertório de Gal Costa, mostrou uma intimidade incrível com o cancioneiro brasileiro. Ela enfrentou, sem levar “rasteiras melódicas” – como ela mesma disse no palco – um repertório digno das maiores intérpretes. A energia dela contagiou a todos!
A apresentação teve momentos inesquecíveis. “Retrato em Branco e Preto”, de Chico Buarque e Tom Jobim, foi uma “pauleira”, nas palavras da própria Assucena. Em “Modinha”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a tensão inicial deu lugar a uma conexão profunda com Camarero, principalmente em “Duas Contas”, de Garoto, um samba-canção primoroso. A teatralidade de Assucena, que ela mesma revelou ter na alma, deu um toque especial a canções como “O Mundo é um Moinho”, de Cartola, “Nuvem Negra”, de Djavan, e “Tu Me Acostumbraste”, de Frank Domínguez. Inclusive, ela até inseriu uma citação de “Baião” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso! Foi genial!
A viagem musical continuou por “No Rancho Fundo” e culminou na emocionante “Tristeza do Jeca”, de Angelino de Oliveira, um momento de pura beleza. Para minha surpresa, Camarero também cantou “Trocando em Miúdos”, de Chico Buarque e Francis Hime, numa interpretação que evocava o próprio Francis. A música fez uma ponte para um diálogo conjugal, com “Olhos nos Olhos”, também de Chico Buarque, interpretada por Assucena e, em seguida, “Negue”, de Adelino Moreira e Enzo Almeida Passos, um clássico de Maria Bethânia.
O show se encerrou com “Balada do Louco”, de Arnaldo Baptista e Rita Lee, com a plateia cantando junto, mostrando a perfeita sintonia entre Assucena e Camarero. No bis, Camarero cantou “Sétimo Drink”, uma música inédita dele em parceria com Paulo César Pinheiro, seguida de “Pó de Vidro”, outra inédita, ambas com a atmosfera noturna característica do samba-canção e do bolero, interpretada lindamente por Assucena. Foi um final mágico!
Em resumo, foi uma apresentação impecável, com uma química incrível entre os artistas. Assucena e João Camarero provaram que a música brasileira está em ótimas mãos. Esse show merece, com certeza, vida longa! Quatro estrelas e meia, fácil!
Fonte da Matéria: g1.globo.com