Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.
Notícias

Abuso sexual em voo: luta por justiça e indenização

Em setembro de 2024, Kelly, 24 anos (nome alterado para esta reportagem), sofreu um abuso sexual durante um voo da Qatar Airways de Doha para Londres. Imagina só: depois de uma viagem exaustiva pela África, ela estava finalmente a caminho de casa, aconchegada sob um cobertor, com fones de ouvido, quase dormindo num voo lotado. O barulho suave do filme na tela ajudou a relaxar. Mas, a duas horas do pouso em Gatwick, um pesadelo começou.

Um homem de 60 anos, sentado ao lado, abusou sexualmente dela. Aquele momento horrível, sabe? Kelly conta que ele puxou um segundo cobertor sobre os dois antes de começar o ataque. “As mãos dele estavam dentro da minha calça! Eu gritei: ‘O que você está fazendo? Pare!’, mas ele respondeu: ‘Não, por favor'”, lembra Kelly, em entrevista exclusiva à BBC. “Tive que tirar a mão dele à força. Levantei em choque, e sai correndo, sem celular, sem mala, sem passaporte… Deixei tudo para trás! Corri pro banheiro, deixei a porta aberta e chamei a comissária de bordo.”

Que situação desesperadora, né? Kelly foi transferida para um assento da tripulação e depois para outro lugar, mas o resto da viagem foi um tormento. “Foi horrível! Estava tão ansiosa… Qualquer pessoa que passasse perto me deixava em pânico, achando que era ele”, desabafa.

Momade Jussab, 66 anos, foi preso ao chegar em Gatwick. Em março, ele foi considerado culpado por agressão sexual por penetração e duas agressões sexuais, recebendo uma pena de seis anos e meio de prisão. Apesar da condenação, a vitória na justiça não apaga a dor de Kelly.

“Faz quase um ano que não saio para eventos, festas… Não consigo. Tenho muito medo. Não quero que me toquem, que me olhem. Aquele trauma tá sempre lá, todos os dias, antes de dormir, voltando na minha cabeça…” Ela confessa.

Kelly então buscou indenização pelo Plano de Compensação por Danos Criminais (Criminal Injuries Compensation Scheme – CICS) do governo britânico. O programa ajuda vítimas de crimes violentos com danos físicos ou mentais, incluindo abuso sexual. Mas, acredite, em abril seu pedido foi recusado! Em maio, a negativa se repetiu.

Por quê? Segundo o CICS, o crime não ocorreu em “local relevante”. A regra absurda é que a aeronave precisa ter matrícula britânica, de acordo com a seção 92 da Lei de Aviação Civil de 1982. Como o avião era do Catar, Kelly ficou sem direito à indenização. A decisão é, no mínimo, injusta.

“Eu entendo que ele foi condenado e está pagando pelo que fez. Mas e eu? Como vou pagar minhas terapias?”, questiona Kelly. “Só quero ser indenizada pelo que passei, quero ajuda profissional e quero ser ouvida.”

Seus advogados do escritório Leigh Day consideram a decisão “irracional”. Em 1996, a Lei da Aviação Civil foi alterada para permitir que crimes em aviões estrangeiros com destino ao Reino Unido fossem julgados aqui. Essa mudança permitiu a prisão de Jussab. Mas, olha só a ironia, as vítimas ainda não podem pedir indenização nesses casos.

O escritório Leigh Day luta por uma mudança na lei, pedindo à secretária da Justiça, Shabana Mahmood, que corrija essa falha. “Uma agressão sexual em um avião britânico dá direito a indenização, mas em um avião estrangeiro, com o criminoso julgado no Reino Unido, a vítima fica desamparada”, explica Claire Powell, do escritório Leigh Day. Ela pede uma alteração urgente, “considerando o compromisso do governo com o combate à violência contra mulheres e meninas”.

Um porta-voz do Ministério da Justiça disse que “os pensamentos estão com a vítima” e que o governo trabalha para reduzir a violência contra mulheres e meninas. Mas, enfatizou que as regras do CICS são definidas pelo Parlamento e que outras formas de apoio estão disponíveis.

Além de lutar pela indenização, Kelly decidiu compartilhar sua história para alertar outras mulheres. “Por favor, fiquem atentas. Não tenham medo, mas existam pessoas que podem machucá-las. Sempre tenham cuidado. Isso pode acontecer com vocês”, alerta.

No Brasil, mulheres vítimas de abuso ou importunação sexual podem procurar ajuda na Central de Atendimento à Mulher (180), disponível 24 horas. Em casos de emergência, ligue para a Polícia Militar (190), Polícia Civil (197) ou Disque Denúncia (181).

Fonte da Matéria: g1.globo.com