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A polêmica série sobre Amanda Knox: justiça, mídia e a busca pela verdade

A minissérie “A História Distorcida de Amanda Knox” (The Twisted Tale of Amanda Knox), lançada em agosto de 2023 no Hulu (EUA) e Disney+ (internacional), revive o caso que chocou o mundo: a condenação e posterior absolvição de Amanda Knox pelo assassinato de sua colega de quarto, Meredith Kercher. Dezessete anos após o crime, ocorrido em Perugia, Itália, em 2007, a série, idealizada pela própria Amanda, gera controvérsia. Afinal, qual o propósito de mais uma produção sobre esse caso, que já rendeu livros, documentários e podcasts?

A irmã de Meredith, Stephanie, expressou sua frustração ao jornal britânico The Guardian no início das filmagens: “Nossa família já sofreu muito. É difícil entender a finalidade disso tudo.” E muita gente, ao assistir a série, provavelmente se perguntará o mesmo.

A resposta, em parte, está na própria Amanda. Ela, juntamente com o então namorado Raffaele Sollecito e Rudy Guede, foi inicialmente condenada pelo assassinato de Meredith, uma estudante britânica de 21 anos. Amanda passou quase quatro anos presa, sempre alegando inocência. Em 2011, ela e Sollecito foram libertados após a anulação da condenação, mas um novo julgamento em 2014 os condenou novamente. A absolvição final só veio em 2015, pela Suprema Corte Italiana. Guede, por sua vez, cumpriu 13 anos de uma pena de 16 e foi libertado em 2021.

A série mostra Amanda (interpretada por Grace Van Patten) como uma jovem estudante, enfrentando a fúria da mídia e um processo judicial marcado por “falhas impressionantes”, segundo a própria Suprema Corte Italiana. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em 2019, inclusive, condenou a Itália a pagar € 18.400 (cerca de R$ 116.600 na época) a Amanda por irregularidades no interrogatório policial. A imprensa, impulsionada pelo promotor Giuliano Mignini, a pintou como uma “mulher promíscua”, a “Foxy Knoxy” dos tabloides, alimentando uma narrativa que a acusava de orquestrar o assassinato com Sollecito e Guede em um ritual satânico que deu errado. A absolvição final se deu, em grande parte, pela fragilidade das provas de DNA.

Mas a série, apesar da boa atuação de Grace Van Patten, apresenta problemas. O tom é inconsistente, ora leve e quase cômico, ora dramático demais. Há momentos de romantização excessiva, com referências visuais ao filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”— filme que Amanda e Sollecito disseram ter assistido na noite do crime — e até mesmo uma cena surreal de ursos de pelúcia aplaudindo a jovem Amanda em sua infância. A showrunner KJ Steinberg, em entrevista ao The Seattle Times, justificou a homenagem a Amélie como uma forma de apresentar Amanda “antes de sua versão distorcida ser consolidada no imaginário popular”. Clichês de narrativas policiais e uma narração irreverente em tom millennial, semelhante a séries como “Inventando Anna” ou “Vinagre de Maçã”, acabam por minimizar a gravidade do caso.

A família Kercher, por sua vez, não participou da produção, e Stephanie e Lyle Kercher declararam publicamente que já sofreram o suficiente.

Amanda, em seus livros (“Esperando para ser ouvida: uma memória”, 2013 e “Livre: minha busca por sentido”, 2023), e no documentário da Netflix de 2016, já havia compartilhado sua versão dos eventos. A série, portanto, levanta a questão: o que ela acrescenta?

A intenção de Amanda, segundo ela mesma, é destacar a responsabilidade de Rudy Guede, que teve um julgamento mais rápido e discreto, sem a mesma pressão midiática que ela sofreu. Em entrevista à Newsweek, ela afirmou: “Ninguém se importa com o cara que assassinou minha colega de quarto. Isso mostra o que sempre esteve acontecendo nesse caso: nunca foi realmente sobre Meredith… A verdade sobre o que aconteceu com ela, e a verdade sobre quem cometeu o crime, foram perdidas em prol de uma história escandalosa.”

No entanto, ao centralizar a experiência de Amanda, a série, principalmente nos dois últimos episódios, deixa em segundo plano a morte de Meredith, criando um desequilíbrio narrativo. A série dedica tempo a um encontro dramatizado entre Amanda e o promotor Mignini (Francesco Acquaroli) em uma igreja na Itália, encontro que realmente ocorreu em 2022. Até mesmo a breve homenagem a Meredith, no final, é eclipsada pela narração de Amanda, que se declara “sortuda” por não ter estado em casa naquela noite e lamenta não ter tido a chance de “realmente lamentar sua morte”.

Essa escolha narrativa levanta uma questão crucial: a apropriação da narrativa por Amanda, com a participação de Monica Lewinsky como produtora executiva (que já havia recriado seu próprio caso no Impeachment: American Crime Story), não foi feita às custas da outra vítima, igualmente injustiçada? A ausência de participação da família Kercher deveria ter sido um sinal de alerta para os envolvidos. A série, numa tentativa de recontar a história sob a perspectiva de Amanda, corre o risco de apagar a verdadeira vítima desse terrível drama.

Fonte da Matéria: g1.globo.com