A Estátua da Liberdade, ícone americano, virou palco de mais um capítulo da guerra cultural nos EUA. A polêmica? Uma pintura impactante da artista afro-americana Amy Sherald, intitulada “Trans Forming Liberty”. A obra, que reimagina a estátua como uma mulher negra transgênero, foi vetada de uma exposição na Galeria Nacional de Retratos do Instituto Smithsonian, em Washington D.C., por medo de irritar o então presidente Donald Trump.
Olha só: a própria Sherald, conhecida pelo retrato oficial de Michelle Obama (2018), foi avisada que a pintura poderia causar problemas. Por que? Em janeiro, Trump havia assinado uma ordem executiva reconhecendo apenas dois sexos. A decisão da artista? Cancelar a participação na exposição, num ato que ela mesma definiu como um protesto contra a “cultura da censura”.
Na real, a Estátua da Liberdade, com seus 46 metros de altura e estrutura de cobre, criada por Bartholdi (1834-1904) e construída pelo engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923), sempre foi um símbolo carregado de significados. Inspirada em deusas da mitologia romana, grega e egípcia, ela representa, para muitos, a liberdade. Mas, tipo assim, essa liberdade nunca foi tão simples.
A obra de Sherald, que agora está no Museu Whitney, em Nova York, como parte da exposição itinerante “American Sublime”, é uma verdadeira provocação. A artista, com seu estilo singular – retratando pessoas em tons de cinza para que a gente se concentre na essência, e não na cor da pele –, reimagina a Liberdade. A modelo, Arewà Basit, uma artista negra trans não binária, aparece com um vestido azul vibrante e um buquê de gérberas no lugar da tocha, criando uma imagem poderosa.
Para Sherald, a pintura “existe para dar espaço a alguém cuja humanidade foi politizada e desprezada”. Uma frase que ecoa o soneto de Emma Lazarus (1849-1887) no pedestal da estátua, que conclama os “desabrigados, lançados pela tempestade”. Ironicamente, a própria estátua, desde sua inauguração em 1886, já gerou controvérsias: sufragistas a criticavam por representar a liberdade sem o direito ao voto feminino, enquanto conservadores questionavam sua mensagem de acolhimento aos imigrantes.
A decisão de vetar a pintura não foi aleatória. Em março, Trump havia assinado outra ordem executiva, “Restaurando a verdade e a sanidade da história americana”, para restringir fundos governamentais a museus que “degradarem valores americanos” ou “discriminarem americanos com base na raça”. O vice-presidente J.D. Vance, após uma reunião com os organizadores, teria expressado preocupação com o caráter “woke” da obra, segundo a Fox News. A pressão foi tanta que a exposição acabou sem a pintura de Sherald.
Essa situação destaca o debate atual sobre como a história americana é representada em museus. Até mesmo o Parque Histórico Nacional da Filadélfia, com o Sino da Liberdade, está sob revisão, incluindo informações sobre a escravidão e o tratamento dado aos nativos americanos. A Casa Branca quer garantir que a narrativa “relembre aos americanos o extraordinário patrimônio [da nação]”.
Mas, sabe? A censura, no fim das contas, só amplificou o impacto da obra de Sherald. O que chama mais atenção do que algo proibido? A resiliência da estrutura da Estátua da Liberdade, projetada por Eiffel para suportar as intempéries, nos faz pensar: será que a própria ideia de “liberdade” será tão resistente quanto a estátua? A exposição “American Sublime” segue no Museu Whitney até 10 de agosto.
Fonte da Matéria: g1.globo.com