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A pintura da Estátua da Liberdade vetada: Censura ou necessidade de revisão histórica?

A Estátua da Liberdade, ícone americano, virou palco de mais um capítulo das guerras culturais nos EUA. A polêmica? Uma pintura da artista afro-americana Amy Sherald, intitulada “Trans Forming Liberty”, que reimagina a estátua como uma mulher negra transgênero. Olha só: a obra, inicialmente selecionada para uma exposição na Galeria Nacional de Retratos do Instituto Smithsonian, em Washington D.C., acabou vetada. Por quê? A gente te conta.

A pintura, segundo fontes, poderia irritar o então presidente Donald Trump, que, em janeiro, havia assinado uma ordem executiva reconhecendo apenas dois sexos. A Galeria, financiada com recursos federais, temeu represálias. Sherald, famosa pelo retrato oficial de Michelle Obama em 2018, não hesitou: cancelou a participação na exposição, denunciando uma “cultura da censura”.

Na real, a Estátua da Liberdade, com seus 46 metros de cobre, construída pelo engenheiro Gustave Eiffel e presenteada pela França aos EUA em 4 de julho de 1884, sempre teve um significado multifacetado. Suas inspirações vão da deusa romana Libertas ao deus grego Hélios, passando pela deusa egípcia Ísis – uma verdadeira salada de influências que refletem a complexidade do próprio símbolo. A obra de Bartholdi, aliás, já gerou debates desde sua inauguração em 1886. Suas verdades, como toda grande arte, nunca foram totalmente óbvias.

A pintura de Sherald, atualmente em exibição no Museu Whitney, em Nova York, como parte da exposição itinerante “American Sublime”, é uma provocação. A artista, conhecida por seu estilo singular – utilizando uma escala de cinza que leva o observador a olhar além da cor da pele – retrata Arewà Basit, uma artista negra transgênero não binária, em um vestido azul vibrante, contra um fundo rosa. A tocha tradicional foi substituída por um buquê de gérberas, um símbolo de esperança e alegria. Uma subversão sutil, poderosa em sua própria fragilidade, semelhante à mensagem anti-guerra do “Atirador de Flores” de Banksy.

Para Sherald, a obra “existe para dar espaço a alguém cuja humanidade foi politizada e desprezada”. Uma mensagem que ecoa o soneto de Emma Lazarus no pedestal da Estátua, que conclama os “desabrigados, lançados pela tempestade”. Uma ironia amarga? Talvez.

Mas a polêmica vai além da arte. A Estátua da Liberdade sempre foi um símbolo polarizador. Já foi criticada por sufragistas por representar a liberdade enquanto as mulheres não tinham direito ao voto, e por conservadores por, supostamente, incentivar a imigração. A pintura de Sherald, ao resgatar a Dama da Liberdade como um monumento de promessas não cumpridas, cutuca a ferida da consciência americana.

Embora Trump e seu governo não tenham condenado publicamente a obra, a ordem executiva de março de 2024, “Restaurando a verdade e a sanidade da história americana”, que visa restringir o financiamento a projetos que “degradam os valores americanos”, criou um clima de medo. O vice-presidente J.D. Vance, após reunião com os organizadores da exposição, expressou preocupação com o “caráter woke” da obra, segundo a Fox News. A decisão de vetar a pintura, portanto, parece ter sido uma medida preventiva, um ato de autocensura para evitar problemas com o governo.

A sombra da ordem executiva se estende também a outros símbolos nacionais, como o Sino da Liberdade, em Filadélfia. A Casa Branca ordenou uma revisão de todos os programas do Parque Histórico Nacional até julho de 2025, com foco em narrativas que “relembrem aos americanos o extraordinário patrimônio da nação”. Isso inclui, por exemplo, abordar abertamente a questão da escravidão e do tratamento dado aos nativos americanos.

A exclusão da obra de Sherald, no entanto, pode ter tido o efeito contrário. O que chama mais a atenção do que algo proibido? A resiliência da estrutura da Estátua, projetada por Eiffel para suportar as intempéries, levanta a questão: será que o significado da “liberdade” será tão duradouro quanto a própria estátua? Só o tempo dirá. A exposição “American Sublime” segue em cartaz no Museu Whitney até 10 de agosto.

Fonte da Matéria: g1.globo.com