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A onda “anti-woke”: a diversidade está sumindo das telas e das propagandas?

A polêmica campanha da American Eagle com Sydney Sweeney, acusada de misoginia e eugenismo, explodiu este mês. Teve críticas, claro, mas também um baita aumento nas vendas! Trump, aliás, adorou, principalmente depois de descobrir que a atriz é republicana. Ele postou na Truth Social: “A maré virou! Ser ‘woke’ é coisa de perdedor, ser republicano é que tá na moda!”. E não foi só ele.

O New York Times, a Deutsche Welle e o The Guardian, entre outros, falam em “guerra cultural”, um movimento global que tá mexendo com a política e, segundo eles, causando uma guinada conservadora que tá deixando a diversidade de lado. Mas será que a situação tá tão crítica assim, no Brasil e no mundo? Vamos entender.

Já fomos “wokes”?

“Woke”, que significa “acordado” (e aqui no Brasil a gente usa “lacrador” como sinônimo, muitas vezes de forma pejorativa), virou palavra chave na última década. Geralmente, se usa para descrever – muitas vezes com ironia – pessoas ou obras que se preocupam com questões sociais. Nos EUA, o termo pegou fogo com o movimento Black Lives Matter, definindo quem “acordou” para a injustiça racial e social. Aí, a coisa expandiu, incluindo negros, LGBTQ+, pessoas com deficiência e outras minorias que antes eram invisíveis na cultura. Nos últimos anos, virou bandeira e campo de batalha político.

De fato, obras com foco na diversidade ficaram bem mais presentes na última década. O público começou a cobrar posicionamentos inclusivos de marcas e celebridades como nunca antes. E deu resultado: em 2023, o “Hollywood Diversity Report” da UCLA mostrou algo inédito desde 2014: homens brancos deixaram de ser maioria nos filmes de streaming!

No Brasil, a discussão também ganhou força na última década, mesmo com algumas diferenças culturais. A gente, que sempre se achou um país miscigenado e diverso, teve que encarar debates complexos e repensar a diversidade na cultura e na publicidade. Estudos do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa/UERJ), por exemplo, mostram um aumento significativo de pessoas não brancas em propagandas a partir de 2020, relacionando isso ao caso George Floyd e ao movimento Black Lives Matter.

Mas dizer que a representatividade (“o woke”) dominou ou que reflete a realidade brasileira, aí já é demais. Entre 2018 e 2022, o incentivo federal a esse tipo de tema em órgãos culturais foi quase zero. A diversidade cresceu, sim, mas não tanto. O mesmo estudo do Gemaa revelou que, entre 2018 e 2023, 83% dos modelos em propagandas eram brancos! Longe dos 43% de brancos na população brasileira segundo o Censo de 2022.

Substituir modelos brancos por não brancos é a parte mais fácil. Para temas como diversidade sexual, etária, religiosa e inclusão de pessoas com deficiência, o desafio era – e ainda é – muito maior. E parece que a coisa tá voltando um pouco.

Representatividade “fora de moda”?

Hollywood, a maior indústria de entretenimento do mundo, funciona como um termômetro cultural. Quando muda lá, a gente sente aqui. E a partir de 2024, o “Hollywood Diversity Report”, que vinha mostrando um aumento na representatividade, começou a registrar uma queda. O New York Times chegou a dizer que Hollywood está voltando a ser “gostosa, branca e com tesão”.

Nas redes sociais e na TV, a mudança é visível. “Tradwives” (donas de casa tradicionais que postam sobre servir ao marido e à casa) e o “Skinnytok” (o culto à magreza no TikTok) estão bombando, enquanto as bandeiras arco-íris sumiram das publicações de muitas marcas.

Essa nova onda é causa e consequência da ascensão da extrema-direita em vários países ocidentais. Nos EUA, isso ficou claro depois da reeleição de Trump – muita gente jovem, que dita as tendências culturais, se declarou conservadora. O New York Times afirma que os estúdios americanos não querem mais brigar com o público trumpista, e talvez até queiram se juntar a ele. Afinal, o negócio de Hollywood é dar ao público o que ele quer, não o que ele *deveria* querer.

Já vimos isso antes: depois de avanços sociais, vem a reação. Camila Camargo, diretora do Observatório da Diversidade na Propaganda, diz que estamos num “momento de reação (‘backlash’)”, onde grupos conservadores tentam reverter conquistas recentes.

No Brasil, a onda é mais lenta

A onda “anti-woke” já chegou ao Brasil. Alice Leal, cineasta e produtora associada da APTA (Associação de Profissionais Trans do Audiovisual), participou de um debate sobre o tema na Cinemateca Brasileira em julho. Ela afirma que a onda existe, mas não é abertamente apoiada pela maioria da população. A diversidade, segundo ela, “não está regredindo, mas também não está avançando”. E esse “lugar estanque” é perigoso, pois pode levar ao mesmo cenário dos EUA.

Já existe quem se oponha abertamente ao “discurso woke”. No fim de 2024, os cineastas Josias Teófilo e Newton Cannito lançaram um “manifesto anti-woke” no audiovisual, com mais de 400 assinaturas, acusando a cultura brasileira de “lacração” e “identitarismo”. O cineasta Paulo Cursino (“O Candidato Honesto”, “Até Que a Sorte Nos Separe”) também defende o fim do “wokismo”, falando em um “desgaste natural do movimento woke” e em um “reequilíbrio do mercado”. Ele acredita que o movimento “não deixou nada para o futuro, apenas sinalização de virtude”.

Apesar das diferentes opiniões, todos concordam que a cultura brasileira não está imune à onda contrária à diversidade. Camila aponta uma redução na contratação de influenciadoras negras e menor visibilidade LGBTQIAPN+ em propagandas.

O filme “Geni e o Zepelim”, de Anna Muylaert, ilustra bem essa mudança. Alice conta que a APTA descobriu que o filme foi financiado com uma sinopse que apresentava Geni como travesti, mas, durante a produção, uma atriz cisgênero foi escalada para o papel. Só depois de pressão da APTA, uma atriz trans foi escolhida. Para Alice, isso mostra que a representatividade LGBTQIA+ não é mais tão atrativa na produção audiovisual brasileira como era antes.

O cenário ainda está em mudança

Não dá para afirmar que a onda “anti-woke” venceu ou que a representatividade está em risco. Campanhas como a da American Eagle deram super certo, e filmes “zero woke” voltaram a circular. Mas não há provas de que a diversidade desapareceu da cultura. Aliás, ela ainda pode ser lucrativa.

Camila cita o estudo Rainbow Homes, da Nielsen IQ Brasil, mostrando que o poder de compra da comunidade LGBTQ+ movimentou R$ 18,7 bilhões entre o primeiro trimestre de 2023 e 2024. São pessoas que querem se ver representadas e estão dispostas a gastar dinheiro com isso. Muitas marcas estão em modo “espera”, mas sabem que investir em representatividade é lucrativo.

Para Alice, o sucesso de “Homem com H”, sobre Ney Matogrosso, prova que o Brasil ainda tem espaço para histórias plurais. O filme aborda abertamente as relações homoafetivas do artista e sua relação com a masculinidade e a feminilidade, atraindo mais de 600 mil espectadores nos cinemas e se tornando um dos mais assistidos na Netflix. E que tal o filme “Barbie”, criticado por ser “woke demais”, que bateu recordes de bilheteria mundial?

Para Camila, a guerra cultural pode não ter terminado, mas dificilmente vai apagar as mudanças dos últimos anos. Cautela não significa voltar ao passado, reforça ela.

Fonte da Matéria: g1.globo.com