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A armadilha da “machosfera”: como algoritmos e “gurus” manipulam jovens a odiarem mulheres

O que leva um homem a odiar mulheres? Como rapazes adolescentes são atraídos para o universo tóxico da “machosfera”, um ambiente que promove a misoginia? O jornalista e escritor britânico James Bloodworth mergulhou fundo nessa questão, entrevistando “gurus” que alegam ensinar homens a controlar mulheres e participando de conferências de comunidades “pílula vermelha”. Sua jornada resultou no livro *Lost Boys: A Personal Journey Through the Manosphere*.

Incels, redpills e outros termos: a série “Adolescência” expõe uma cultura de ódio. Em uma dessas conferências nos EUA, Bloodworth testemunhou homens desembolsando US$ 10 mil (cerca de R$ 55 mil na época) por palestras que prometiam transformá-los no “homem que outros homens querem ser”. Mas a descoberta mais impactante? Ele nem precisou se esforçar tanto. Os algoritmos das redes sociais fizeram o trabalho sujo por ele.

Estudos recentes comprovam: basta um vídeo misógino para que, em apenas uma hora, um jovem seja bombardeado com conteúdo ainda mais agressivo, inclusive material já banido. Em poucas horas, seus feeds são tomados por uma enxurrada de conteúdo machista. Isso explica, em parte, a popularidade de Andrew Tate, influenciador britânico-americano que se autodeclara misógino e acumula milhões de seguidores, apesar de ser acusado de estupro, tráfico de pessoas e formação de quadrilha para exploração sexual de mulheres. Tate, aliás, surge como uma das principais influências do protagonista da série “Adolescência”, da Netflix, um fenômeno que expõe como a “machosfera” radicaliza jovens.

O que Bloodworth descobriu ao se aprofundar nesse mar de conteúdo machista? Um modelo de negócios sofisticado, usado por “gurus” que lucram explorando as inseguranças de suas vítimas. Na real, muitos desses “gurus” são apenas golpistas, segundo Bloodworth. O esquema é semelhante a outros golpes online, como romances falsos ou pirâmides financeiras. A diferença? Além do prejuízo financeiro, há uma doutrinação ideológica, principalmente de adolescentes, contra as mulheres. Ideias misóginas antes restritas a grupos marginais agora alcançam milhões.

A principal estratégia? Semear a insegurança. Quase todos os cursos e palestras usam a regra 80/20: a ideia de que há escassez de mulheres e que os homens precisam se destacar, pois 80% das mulheres se interessariam por apenas 20% dos homens – os “alfas”, bem-sucedidos e dominadores. O medo de não pertencer a esses 20% é a porta de entrada para muitos.

Outra tática, comum em golpes de apostas online, é a ilusão de riqueza. Em uma conferência nos EUA, mansões e Lamborghinis eram alugadas para fotos de Instagram, criando a falsa impressão de uma vida de luxo.

Em entrevista à BBC News Brasil, Bloodworth detalhou suas descobertas:

**BBC News Brasil:** Seu livro começa com sua busca por orientação de “pick-up artists”. Conte sobre esse período.

**Bloodworth:** Há 19 anos, morava em Somerset, Inglaterra, com minha avó. Minha vida social era um desastre. Era tímido e achava que a faculdade resolveria meus problemas. Enganei-me. Pesquisando “como conseguir uma namorada” no Google, encontrei fóruns de “artistas da sedução”. Eles diziam ter a fórmula mágica para conquistar mulheres. O livro “O Jogo”, de Neil Strauss, também me influenciou. Em março de 2006, fiz um treinamento em Londres. Passei meses na faculdade tentando aplicar os métodos. Os fóruns sugeriam abordar cinco mulheres por dia. Algumas coisas funcionaram. Eu tinha vergonha de pedir ajuda a amigos e familiares, mas não sentia vergonha da misoginia presente nos fóruns.

**BBC News Brasil:** Essas comunidades de 20 anos atrás parecem menos perigosas que as atuais. Mas havia sementes de masculinidade tóxica. Você acha que poderia ter se radicalizado?

**Bloodworth:** Levei tempo para perceber que aqueles caras não tinham as respostas. Me envolvi por seis meses. 20% dos conselhos eram úteis (sair mais, socializar), 80% era lixo misógino e manipulador. Percebi que podia aproveitar o lado bom sem o resto. A diferença crucial? Não havia algoritmos me puxando para um buraco sem fundo. Em 2018, ao começar a escrever o livro, depois de assistir a vídeos de Jordan Peterson, minhas redes foram inundadas por conteúdo sobre masculinidade tóxica em menos de uma semana. Um estudo australiano mostrou que, após um vídeo de Peterson no Instagram, um jovem receberia sugestões de Andrew Tate em menos de uma hora. O algoritmo facilita a radicalização.

**BBC News Brasil:** Quais foram as experiências mais chocantes?

**Bloodworth:** Para o livro, frequentei cursos e workshops. A experiência mais imersiva foi um curso de US$ 10 mil em Las Vegas, chamado “Men Of Action”, com Michael Sartain. Havia seminários sobre como ser um “macho alfa”, sessões de fotos em Lamborghinis alugadas pela empresa, e mansões luxuosas alugadas para fotos, dando a falsa impressão de que os participantes viviam naquele luxo. Era mais vergonhoso que chocante. O mais chocante era a linguagem depreciativa sobre mulheres. Em Orlando, frequentei um grupo “pílula vermelha”. Para eles, “tomar a pílula vermelha” é enxergar a “verdade” de que os homens são oprimidos. Havia muita retórica política, com apoio a Donald Trump e ao movimento MAGA, antissemitismo, e até pessoas que se gabavam de conhecer Lyndon McLeod, o extremista que matou cinco pessoas em Denver em 2021.

**BBC News Brasil:** Qual o perfil dos homens na “machosfera”?

**Bloodworth:** Vi perfis diversos. Homens que passaram por traumas, vítimas de relações abusivas (sim, homens também podem ser vítimas, embora menos reconhecido). Outros tinham problemas com mulheres desde sempre e encontraram justificativas online para sua hostilidade. A linha entre “machosfera” e patriarcado mainstream é tênue. Mas os algoritmos mudaram tudo, principalmente para jovens. Conheci um garoto de 13 anos que, ao assistir a vídeos de luta no YouTube, acabou chegando a Andrew Tate, que o fazia sentir-se inferior, enquanto se apresentava como um salvador. É um golpe, como os “artistas da sedução” faziam: “Sem meus conselhos, você nunca terá uma namorada”. Eles usam a regra 80/20 e a insegurança masculina. Adolescentes são mais vulneráveis.

**BBC News Brasil:** A “machosfera” tem alcance amplo?

**Bloodworth:** A “machosfera” radical é marginal, mas suas ideias se infiltram no mainstream. A série “Adolescência” mostra um caso extremo (assassinato), mas o mais comum é violência doméstica e comportamentos controladores. No Reino Unido, 53% dos homens de 16 a 24 anos acreditam na regra 80/20, e 51% acham que a igualdade de gênero foi longe demais. Nos EUA, a maioria dos homens acha a sociedade muito “brandinha e feminina”. Um quarto dos adolescentes que conhecem Andrew Tate têm uma visão positiva dele.

**BBC News Brasil:** A série “Adolescência” mostra que até jovens de famílias estáveis são vulneráveis.

**Bloodworth:** Família estável ajuda, mas não imuniza. Muitos homens que conheci vinham de famílias disfuncionais ou tinham inseguranças infantis exploradas pelos “gurus”. Todos temos momentos de vulnerabilidade. Celulares e redes sociais mudaram o jogo. Os “gurus” chegam direto aos jovens, contornando pais e professores. Eles são carismáticos e ostentam um estilo de vida luxuoso, tornando-se modelos a serem seguidos.

**BBC News Brasil:** A “machosfera” critica as “big techs”, mas elas também são responsáveis por sua popularização.

**Bloodworth:** Em uma conferência, Anthony Johnson comparou o YouTube a um gulag por desmonetizar vídeos de masculinidade. Houve um período de maior controle, mas a direita radical reagiu, criando plataformas alternativas. Com a volta de Trump à Presidência, há menos censura. O YouTube matou a comunidade de “artistas da sedução”, mas seu algoritmo tornou outros famosos. Não há uma solução fácil. Talvez seja melhor dificultar a busca por esse tipo de conteúdo.

**BBC News Brasil:** Com a compra do Twitter por Elon Musk, muitos banidos voltaram.

**Bloodworth:** O X (antigo

Fonte da Matéria: g1.globo.com