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** 160 Anos do Espiritismo no Brasil: Um Sucesso com Raízes Profundas e Desafios Modernos

** Há 160 anos, em 17 de setembro de 1865, o espiritismo chegava ao Brasil, em Salvador, numa sessão liderada por Luís Olímpio Teles de Menezes. Mas, olha só, essa história começou muito antes, em Lyon, na França, com o nascimento de Hippolyte Léon Denizard Rivail em 1804 – o Allan Kardec que a gente conhece. Ninguém imaginava, na época, que essa doutrina ia se espalhar tanto por aqui, né? Afinal, a França, berço do espiritismo, não o abraçou com a mesma intensidade.

“Na real, o francês médio nem sabe direito o que é espiritismo”, comenta o escritor espírita Ricardo Ribeiro Alves, em entrevista à BBC News Brasil. É impressionante, né? O Brasil se tornou, de fato, a terra onde o espiritismo mais floresceu.

Difícil cravar quantos espíritas existem no mundo. Algumas estimativas incluem simpatizantes, o que complica a contabilidade. O Conselho Espírita Internacional, por exemplo, trabalha com dados das federações de cada país, chegando a um número recente de 13 milhões de adeptos. Já o IBGE, que registra os espíritas brasileiros desde 1940, apontou 3,18 milhões de brasileiros espíritas no Censo de 2022 (1,8% da população com mais de 10 anos). Isso é bem significativo! Mas, é importante notar, uma queda em relação aos 3,56 milhões de 2010 (2,2% da população). A Federação Espírita Brasileira, porém, estima 30 milhões de brasileiros simpatizantes, mesmo que declaradamente adeptos de outras religiões.

Então, a pergunta que fica é: por que esse sucesso todo aqui no Brasil, e não tanto em outros lugares, inclusive na França? E por que essa queda recente?

**Do choque com a Igreja Católica à popularização:** Kardec, inicialmente cético em relação às “mesas girantes” – moda na França do século XIX – acabou se convencendo da comunicação com os espíritos. Em 1857, ele lançou “O Livro dos Espíritos”, que deu base à doutrina. Ele não se via como criador de uma religião, mas sim como alguém que “codificou” as mensagens dos espíritos, usando um método que ele considerava científico.

A obra mesclava valores cristãos, científicos e filosóficos da Europa da época. No Brasil, o espiritismo encontrou um terreno fértil, mas também hostil. Bernardo Lewgoy, filósofo e antropólogo da UFRGS, explica que, inicialmente, a elite urbana letrada, muitos católicos não tão ortodoxos, se interessou. A Igreja Católica, porém, via o espiritismo mais como uma ameaça filosófica do que como uma religião concorrente. Afinal, a crença na reencarnação e na comunicação com os mortos ia contra os dogmas católicos.

Curiosamente, essa hostilidade inicial aproximou, em um primeiro momento, os espíritas dos praticantes de religiões africanas, fortemente estigmatizados na época. Mas o espiritismo tinha trunfos: sua abordagem aparentemente científica e o fato de ser inicialmente difundido pela elite branca facilitaram sua aceitação.

Nas décadas seguintes, o espiritismo conquistou espaço, criando instituições, oferecendo assistência social e popularizando livros de médiuns (termo criado por Kardec para os intermediários entre vivos e mortos). O crescimento explodiu entre 1970 e 2010, passando de 460 mil adeptos em 1940 para 3,8 milhões em 2010 – um aumento de mais de 720%! A população brasileira cresceu menos, cerca de 360% no mesmo período.

Lewgoy destaca a penetração nas classes médias urbanas, a sincretização com religiões populares e a competição com um catolicismo em declínio. O espiritismo oferecia uma “modernidade religiosa” para as classes médias em ascensão, uma alternativa “racional” e “científica” aos dogmas católicos. A capacidade de conciliar ciência e religião, tradição e modernidade, foi crucial para o seu sucesso, segundo ele.

Célia da Graça Arribas, historiadora e socióloga da UFJF, autora de “Afinal, Espiritismo é Religião?”, ressalta a adaptação bem-sucedida, com termos como “espiritólicas” ou “catoespíritas”, e a mistura com crenças afro-brasileiras, especialmente a umbanda. Líderes carismáticos como Chico Xavier, Bezerra de Menezes e Divaldo Franco ajudaram a “abrasileirar” o espiritismo. Alves destaca o sincretismo religioso brasileiro como um fator chave.

É comum, inclusive, usar o termo “kardecismo” para diferenciar o espiritismo original do francês Kardec e sua adaptação brasileira.

**O Espiritismo no Resto do Mundo:** Em outros países, a história foi bem diferente. Na França, o laicismo republicano e a força da Igreja Católica impediram o crescimento em massa. Em países protestantes como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, o espiritismo enfrentou o domínio dessas religiões. Em países católicos como Itália, Espanha e Portugal, a Igreja era mais controladora, impedindo o florescimento de práticas religiosas alternativas e o sincretismo. O Brasil, com sua história de sincretismo religioso, era um contexto único.

**O Declínio Recente e uma Metamorfose:** Entre 2010 e 2022, o número de espíritas no Brasil caiu cerca de 400 mil. Lewgoy aponta três fatores: a expansão dos evangélicos; a ascensão das religiões afro-brasileiras, com maior reconhecimento social; e a secularização individualista. Arribas destaca a maior identificação de praticantes de umbanda e candomblé com suas próprias religiões, impulsionada pelo debate sobre letramento racial. A falta de líderes carismáticos como Chico Xavier, e a menor presença na cultura popular (filmes, novelas), também são fatores apontados. O cenário político também influenciou, com a polarização e posições políticas conservadoras de alguns espíritas afastando outros adeptos.

Mas Lewgoy acredita que não se trata de uma crise, mas de uma “metamorfose civilizacional”. O espiritismo estaria se reinventando, com menos fiéis, mas maior influência cultural. O perfil dos espíritas, segundo dados do IBGE, mostra alta taxa de ensino superior, baixo analfabetismo e alto acesso à internet. Eles têm forte presença no mercado editorial, em instituições assistenciais e na mídia, influenciando até o vocabulário nacional. Para ele, o espiritismo pode estar antecipando tendências pós-seculares, com foco em experiências individuais e diálogo com a ciência. Talvez, no futuro, outras religiões incorporem elementos espíritas, como caridade, ecumenismo e diálogo com a academia.

Fonte da Matéria: g1.globo.com