Saiba quais são os bens que prefeituras e união incorporam de quem não tem herdeiros
Ao menos 179 imóveis foram incorporados ao patrimônio público da União e de municípios de 14 estados entre 2020 e 2025, segundo levantamento do g1. Juntos, os bens somam R$ 219 milhões e incluem apartamentos a poucos metros das praias de Copacabana e Ipanema, no Rio de Janeiro, e do Pina, em Pernambuco.
CONHEÇA OS CASOS: os bens de quem morre sem herdeiros e ficam com o governo federal e as prefeituras
Esses imóveis pertenciam a pessoas que morreram sem deixar herdeiros nem testamento. Pela lei, quando isso acontece, o patrimônio passa por um processo judicial que determina a destinação dos bens — e, se ninguém se habilitar como sucessor, eles são transferidos para o poder público — procedimento chamado de herança jacente e vacante.
🔎 A herança jacente é declarada quando não há herdeiros até o quarto grau de parentesco — ou seja, pais, filhos, tios, sobrinhos e primos de primeiro grau. Depois de esgotadas as buscas e decorrido o prazo legal, o bem vira vacante, ou seja, é transferido para o município ou para a União.
A procuradora e advogada Priscilla Paoliello de Sarti, autora do livro A Herança Jacente e Vacante: Aspectos práticos, desafios e possíveis soluções para a sua efetivação, explica que o fenômeno deve se tornar mais frequente.
“A gente verifica um aumento desses casos decorrentes do envelhecimento da população, da queda na taxa de natalidade e das famílias unipessoais, de uma pessoa só, que não deixam herdeiros. É um contexto que tende a aumentar essas hipóteses de herança vacante”, afirma.
Veja as perguntas e respostas:
Para quem vão os bens?
Por que o governo fica com o patrimônio dos falecidos?
Quais são as fases do processo até o patrimônio ser público?
Quem tem direito à herança?
Quem pode cuidar do imóvel durante o processo?
O Estado pode usar o imóvel como quiser?
Como o juiz tenta encontrar herdeiros?
O processo é o mesmo para todos os bens?
O que acontece se um herdeiro aparecer depois?
Arte – Como um bem sem herdeiros vira patrimônio público
Arte/g1
Para quem vão os bens?
Apartamentos da Rua Cinco de Julho, em Copacabana (RJ), incorporados ao patrimônio da cidade
Reprodução
Após a morte, se a pessoa que morreu não tiver cônjuge, filhos, pais vivos ou outros herdeiros, o Código Civil determina que os bens fiquem incorporados ao patrimônio da cidade em que morava.
“A data da morte vai fixar essa competência também”, explica a professora de Direito Civil na PUC-SP, procuradora do município de São Paulo aposentada, Déborah Lambach.
A regra é territorial:
se o bem está em uma cidade, vai para o município;
se está no Distrito Federal, fica com o DF;
e se está em território federal, é incorporado à União.
Quando os bens passam à União, ficam sob gestão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Hoje, o Brasil não tem mais territórios federais — só o Distrito Federal e os estados com seus municípios.
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Por que o governo fica com o patrimônio dos falecidos?
O Estado passa a ser o destinatário final do patrimônio de quem morre sem deixar herdeiros nem testamento porque o Código Civil determina que ele deve dar destinação pública aos bens sem dono.
Déborah explica que o poder público atua como sucessor excepcional do falecido, garantindo que o patrimônio não fique sem administração nem uso social. “O Estado não pode renunciar. Ele é chamado pela lei a suceder quem não tem herdeiro, porque o ordenamento jurídico não admite bens sem dono”, afirma.
Isso significa que, quando todos os herdeiros são desconhecidos, inexistentes ou renunciam à herança, o poder público assume a responsabilidade de representar, administrar e dar finalidade social aos bens.
“O poder público tem essa responsabilidade, esse dever legal com a comunidade. A pessoa que estava ali naquele município construiu um patrimônio, então seria uma forma de cuidado — tanto pra devolver pros herdeiros, quanto pra sociedade”, explica Lambach.
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Quais são as fases do processo até o patrimônio ser público?
Quando alguém morre sem deixar testamento nem herdeiros conhecidos, começa um processo chamado herança jacente. É quando a Justiça tenta descobrir se há familiares que possam herdar os bens. Nessa fase, o juiz nomeia um curador, que fica responsável por cuidar do que foi deixado e buscar informações sobre possíveis herdeiros.
“A primeira providência é o juiz nomear um curador para aquela herança. Esse curador vai até o local, se é um imóvel, e procura amealhar informações sobre aquela pessoa”, explica a professora Déborah Regina Lambach.
Em seguida, são publicados editais para busca de herdeiros. Se em um ano ninguém se apresentar, a herança é declarada vacante — o patrimônio passa ao domínio público, mas ainda de forma provisória.
Cinco anos após a data da morte, se nenhum herdeiro aparecer, os bens são incorporados definitivamente ao poder público — à União, ao Distrito Federal ou ao município, conforme a localização.
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Quem tem direito à herança?
Na primeira fase do processo — chamada de herança jacente, quando o Estado guarda os bens enquanto procura os herdeiros — têm direito à herança, segundo o Código Civil, os parentes até o quarto grau.
Isso inclui:
1º grau: filhos e pais;
2º grau: avós e netos;
3º grau: tios e sobrinhos;
4º grau: primos.
A sucessão segue uma ordem de prioridade, conhecida como “ordem de vocação sucessória”, que começa pelos descendentes e vai até os colaterais.
“Morreu alguém, é como se fosse um trem, o juiz vai no primeiro vagão, onde estão os descendentes — os filhos. Se não houver filhos, passamos para o segundo vagão, onde estão os ascendentes — pais e mães. Se também não houver, vamos para o terceiro vagão, que são os cônjuges ou companheiros. E, por fim, o quarto vagão, onde ficam os colaterais, como irmãos, tios e primos. É preciso respeitar essa ordem de vocação” , explica Lambach.
Se nenhum desses grupos for localizado, o patrimônio permanece sob guarda judicial até que, passado os cinco anos da morte, seja declarado vacante e incorporado ao poder público.
Após incorporado, apenas pais, filhos ou companheiros podem requisitar o patrimônio ao Tesouro do munícipio.
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Quem pode cuidar do imóvel durante o processo?
Na prática, o curador pode ser um advogado nomeado pelo juiz ou um representante do município.
“Qualquer pessoa de confiança do juízo. Em regra, é um advogado que o juiz nomeia”, explica a procuradora Priscilla Paoliello de Sarti.
O cargo é temporário e remunerado ao final do processo, já que o curador assume a responsabilidade de administrar o bem e prestar contas à Justiça. O papel do curador acaba quando o bem passa a ser público, quando a secretaria do patrimônio do município ou a União decide o que vai ser feito com o imóvel.
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O Estado pode usar o imóvel como quiser?
Nos municípios, a administração é feita por procuradorias ou secretarias de patrimônio e finanças, que decidem o destino: podem usar o imóvel em programas públicos, ceder, alugar ou vender em licitação.
“O bem é incorporado ao patrimônio do município e depois ele é destinado para atividades públicas de interesse local”, explica a procuradora Priscilla Paoliello.
Qualquer ocupação irregular pode gerar ação de reintegração de posse.
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Como o juiz tenta encontrar herdeiros?
Quem tem esse papel no decorrer do processo é o curador do imóvel.
“Esse curador vai até o local — se é um imóvel — e procura amealhar informações sobre aquela pessoa. Hoje a gente pode até pedir acesso à parte digital, e-mails, perfis de Instagram, Facebook, tudo isso é possível judicialmente. Também se conversa com vizinhos”, explica a professora de Direito Civil na PUC-SP. “O curador tenta obter o maior número de informações, faz um arrolamento dos bens, manda ofício para bancos. E, se a pessoa é estrangeira, vai uma carta rogatória para o país, a gente fala com as embaixadas, sempre por meio de documento judicial.”
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O processo é o mesmo para todos os bens?
Sim. A regra vale para imóveis, dinheiro em conta, veículos, ações e até bens de valor afetivo.
O curador é responsável por cuidar de tudo até a decisão judicial. Itens como obras de arte e objetos pessoais só podem ser vendidos após a vacância, com autorização do juiz.
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O que acontece se um herdeiro aparecer depois?
Depois que o bem é incorporado ao poder público, apenas filhos, pais, avós ou cônjuges podem reivindicar o patrimônio. Se comprovarem o vínculo, podem propor uma ação de petição de herança, que tramita nas varas de Fazenda Pública.
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Fonte da Matéria: g1.globo.com