A onda de reconhecimentos do Estado da Palestina por países ocidentais, impulsionada pela guerra em Gaza, tá gerando um debate acalorado. Na última segunda (22), França, Bélgica e Mônaco se juntaram ao coro, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York. No domingo anterior (21), Reino Unido, Austrália, Canadá e Portugal já haviam anunciado o mesmo. E, olha só, mais países devem seguir essa tendência nos próximos dias, apesar da forte oposição de Israel. Isso, claro, sob protestos israelenses.
Mais de 140 países, incluindo o Brasil, já reconhecem a Palestina como Estado. Mas, na real, essa enxurrada de declarações – principalmente as europeias – é uma resposta direta à brutal ofensiva israelense em Gaza, que, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, já vitimou mais de 65 mil pessoas. A situação é tão grave que, numa terça-feira (16), uma comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU acusou Israel de genocídio.
Israel e os EUA, seu principal aliado, rejeitaram o relatório na lata e qualquer ideia de reconhecimento palestino. Pra eles, isso seria tipo uma recompensa ao terrorismo, em referência aos ataques de 7 de outubro de 2023, quando militantes do Hamas mataram cerca de 1.200 pessoas em Israel, desencadeando a atual crise em Gaza.
Mas será que esse reconhecimento muda alguma coisa na prática? Muitos, até mesmo defensores da criação do Estado palestino, acham que não. Ines Abdel Razek, ativista do Instituto Palestino para Diplomacia Pública em Ramallah, escreveu no think tank Al Shabaka que os países ocidentais estão fazendo apenas “ações performáticas”, enquanto a realidade dos palestinos continua brutal, longe de uma justiça efetiva e de um Estado funcional. O colunista Owen Jones, do The Guardian, foi na mesma linha na quarta (17), chamando as ações contra Israel de “performáticas”, visando conter a pressão pública por medidas concretas.
A reação de Israel também é uma incógnita. Richard Gowan, especialista em ONU do International Crisis Group, escreveu no Just Security que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que declarou na semana passada que “não haverá um Estado palestino”, pode responder com a anexação formal de partes dos territórios palestinos. Isso, claro, deixaria os diplomatas preocupados.
Além disso, o reconhecimento não resolve a guerra em Gaza. Gideon Levy, do Haaretz, escreveu em agosto que o reconhecimento é “um substituto equivocado para boicotes e sanções contra um país que perpetua o genocídio”. É só uma declaração vazia, segundo ele. Especialistas jurídicos lembram que o reconhecimento de um Estado e a obrigação internacional de agir contra suspeitas de genocídio são coisas distintas.
Apesar disso, o simbolismo é importante. O reconhecimento pode fortalecer a pressão por um cessar-fogo em Gaza, por exemplo. Omar Auf, analista político egípcio, destacou no The Cairo Review of Global Affairs que as autoridades palestinas tentaram aderir às Convenções de Genebra em 1989, mas foram barradas pela Suíça devido à incerteza sobre a existência de um Estado palestino. Agora, com o reconhecimento, a situação muda. Nomi Bar-Yaacov, especialista em negociações de paz, disse à DW que o reconhecimento não muda tudo imediatamente, mas dá aos palestinos uma posição muito mais forte nas negociações. Negociar Estado a Estado não é a mesma coisa que negociar com uma entidade não reconhecida.
O reconhecimento também representa uma valorização diplomática para os palestinos. Países que reconhecem o Estado palestino precisam rever suas relações com a Palestina e as obrigações legais associadas, o que pode levar a uma revisão das relações com Israel. Mas, como observou Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), tudo isso tem um forte caráter simbólico. Ainda assim, ele destaca a importância do simbolismo, principalmente vindo de países como França e Reino Unido, como reafirmação dos direitos palestinos. Para Lovatt, o reconhecimento é “o percurso da viagem”.
Mas simbolismo à parte, medidas práticas são necessárias. Anas Iqtait, analista político da Universidade Nacional Australiana, escreveu no Middle East Council on Global Affairs que o reconhecimento “é um início, o verdadeiro trabalho começa no dia seguinte”. Em Bruxelas, na quarta (17), a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, incentivou os países-membros a aumentar as tarifas sobre produtos israelenses e a sancionar colonos e ministros israelenses da ultradireita, como Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional). Medidas como essas já haviam sido recomendadas pelo ECFR, e uma fonte em Bruxelas disse à DW que a Itália, que sempre se opôs a cortar fundos científicos da UE para Israel, pode mudar de ideia em breve. Enfim, a situação é complexa e o caminho para a paz ainda é longo.
Fonte da Matéria: g1.globo.com