A Natura, gigante brasileira de cosméticos, tentou conquistar o mundo, mas o plano ambicioso acabou em recuo estratégico. A história, repleta de altos e baixos, culminou na venda da Avon International por apenas £1 (cerca de R$ 7), anunciada em 19 de outubro. A empresa, que preferiu não comentar o assunto, viu seu sonho de se tornar uma potência global ruir após seis anos de ousadas aquisições. Mas o que deu errado? O g1 investigou.
A expansão internacional da Natura tinha um objetivo claro: crescer, diversificar e se tornar uma das maiores do setor. Já forte no Brasil e na América Latina, a empresa, fundada em 1969 por Luiz Seabra, precisava de um impulso global. “A Natura queria virar uma multinacional de beleza”, explica Caroline Sanchez, analista da Levante Inside Corp. “As aquisições abriram portas em novos mercados, deram acesso a canais de venda prontos e ampliaram o portfólio.”
A saga começou em 2012, com a compra de 65% da Aesop, a australiana fundada em 1987 por Dennis Paphitis. A marca, inicialmente com fórmulas de óleos essenciais vendidas em seu próprio salão, viu sua expansão explodir após a aquisição total pela Natura em 2016, chegando a 29 países e mais de 400 pontos de venda. Um sucesso que encorajou a Natura a ir mais longe.
Em 2017, foi a vez da britânica The Body Shop, adquirida por cerca de 1 bilhão de euros (R$ 3,6 bilhões na época). Mas o golpe mestre veio em 2019: a fusão com a centenária Avon, por US$ 2 bilhões. Uma empresa brasileira comprando uma concorrente americana e se tornando a holding Natura&Co, um conglomerado com quatro grandes marcas em mais de 100 países, com faturamento anual superior a US$ 10 bilhões (algo em torno de R$ 53 bilhões na cotação atual). Na época, a Natura se tornou a quarta maior empresa de beleza do mundo, atrás apenas de L’Oréal, Estée Lauder e Shiseido. Uau!
Só que a festa durou pouco. “Os resultados não vieram na velocidade esperada”, afirma Marcos Pelozato, advogado e especialista em reestruturação empresarial. A estrutura ficou complexa, as dívidas, altas, e o lucro, baixo. Integrar culturas diferentes e gerar sinergias em marcas já com dificuldades se tornou um imenso desafio. A pandemia de Covid-19 piorou tudo, afetando o setor e acelerando a transformação digital, enquanto a Natura via receitas caírem e o endividamento crescer.
A solução? Simplificar. A Aesop foi vendida em 2023 por US$ 2,5 bilhões, seguida pela The Body Shop por US$ 254 milhões, no mesmo ano. “A Natura geria um conglomerado heterogêneo, com marcas em estágios diferentes, culturas distintas e atuação em várias geografias. Isso elevou custos e endividamento sem retorno proporcional”, diz Sanchez.
Analistas apontam o preço alto pago pelas aquisições como um erro crucial, especialmente considerando a valorização do mercado na época. “A Aesop, um sucesso, foi vendida para a L’Oréal por mais de US$ 2 bilhões. Já a The Body Shop, cara, foi vendida por muito menos e ainda entrou em recuperação judicial no Reino Unido”, comenta Guilherme Áthia, consultor em governança. A Avon Internacional, deficitária, também se tornou um fardo. “A marca perdeu força, não acompanhou as mudanças e ficou cara demais”, completa Áthia.
Relatórios alertavam que, sem a venda ou o encerramento da operação internacional da Avon, a redução do endividamento não seria possível. E assim, em 19 de outubro, a venda para a Regent foi confirmada. As ações da Natura dispararam mais de 15%, mostrando o alívio dos investidores. Além da venda simbólica, a Natura pode receber até £60 milhões (aproximadamente R$ 430 milhões) em pagamentos adicionais. A transação, sujeita a aprovações regulatórias, deve ser concluída no primeiro trimestre de 2026, excluindo as operações da Avon na América Latina e Rússia.
A venda da Avon International consolida a nova estratégia: foco na América Latina, onde a Natura tem mais força. “O valor simbólico mostra que o objetivo não era dinheiro, mas se livrar de um ativo deficitário, reduzir riscos e valorizar as ações”, explica Pelozato. Em apenas seis anos, a Natura passou de aquisição da Avon ao seu descarte parcial — uma reviravolta impressionante.
O desafio agora é consolidar esse novo rumo, melhorar a rentabilidade e reconquistar a confiança dos investidores. “A Natura ainda sente os efeitos negativos, mas está fazendo um bom trabalho. O futuro tende a ser positivo e estável, com marcas fortes como Natura e Avon Latam”, acredita Lucas Barbosa, analista da Ativa Investimentos. Para o mercado, a venda representa o fim de um ciclo de perdas e o início de uma trajetória mais previsível. A Natura, enfim, deixou para trás o sonho de se tornar uma “L’Oréal tropical”.
Fonte da Matéria: g1.globo.com