A Natura, gigante brasileira de cosméticos, viu seu ambicioso plano de conquista global ruir. Depois de anos de aquisições internacionais que pareciam promissoras, a empresa anunciou a venda da Avon International por apenas £1 (cerca de R$ 7), um valor simbólico que marca o fim de uma era. A decisão, esperada pelo mercado, encerra um capítulo de expansão agressiva que começou em 2012.
A estratégia inicial? Ganhar escala global, diversificar mercados e se firmar entre os maiores players do setor. A Natura, fundada em 1969 por Luiz Seabra, já dominava o mercado brasileiro e latino-americano, mas almejava mais. A analista Caroline Sanchez, da Levante Inside Corp, resume: “A Natura queria virar uma multinacional de beleza, de verdade. Essas compras abriram portas em novos países, deram acesso a redes de vendas já prontas e turbinaram o portfólio.”
O primeiro passo foi a aquisição de 65% da Aesop, a australiana fundada em 1987 por Dennis Paphitis. A Natura comprou os 35% restantes quatro anos depois, assumindo o controle total. A Aesop, com suas fórmulas de óleos essenciais, cresceu exponencialmente sob a gestão da Natura, chegando a 29 países e mais de 400 pontos de venda.
O sucesso da Aesop encorajou a Natura a ir além. Em 2016, a empresa comprou a britânica The Body Shop por cerca de 1 bilhão de euros (R$ 3,6 bilhões na época). Mas a cereja do bolo veio em 2019: a fusão com a gigante americana Avon, avaliada em US$ 2 bilhões. Uma empresa brasileira comprando uma concorrente centenária dos EUA? Isso sim era ousado!
A Natura&Co, holding resultante da fusão, reunia quatro grandes marcas em mais de 100 países, com faturamento anual superior a US$ 10 bilhões (algo em torno de R$ 53 bilhões na cotação atual). Por um instante, a Natura se tornou a quarta maior empresa de beleza do mundo, atrás apenas de L’Oréal, Estée Lauder e Shiseido. Parecia o auge.
Só que… a festa durou pouco. Marcos Pelozato, advogado especialista em reestruturação empresarial, explica: “Os resultados não vieram na velocidade e intensidade esperadas. A estrutura ficou complexa demais, as dívidas subiram, e o lucro ficou baixo. Integrar culturas diferentes, redesenhar processos… um desafio gigante!”
A pandemia de Covid-19 piorou tudo. O setor de cosméticos sofreu um baque, com mudanças aceleradas nos hábitos de consumo e na digitalização. A Natura enfrentou queda de receita e aumento do endividamento. A solução? Simplificar, vendendo ativos internacionais e focando na América Latina.
Primeiro foi a Aesop, vendida em 2023 por US$ 2,5 bilhões para a L’Oréal. Depois, a The Body Shop, negociada por US$ 254 milhões no mesmo ano. Caroline Sanchez crava: “Era um conglomerado global muito heterogêneo, com marcas em estágios diferentes, culturas distintas… Custou caro demais, consumiu caixa e a dívida ficou alta, sem retorno proporcional.”
Analistas apontam o preço alto pago pelas aquisições como um erro crucial. O mercado estava em alta, e a Natura pagou mais do que o justo. Guilherme Áthia, consultor em governança, exemplifica: “A Aesop foi um sucesso e rendeu mais de US$ 2 bilhões. Já a The Body Shop, que custou uma fortuna, foi vendida por muito menos e ainda entrou em recuperação judicial no Reino Unido!”
Sobrou a Avon International, operando no vermelho. Áthia resume: “A marca perdeu força, não se adaptou às mudanças e ficou muito cara para manter.” Relatórios de analistas eram unânimes: sem a venda ou o fim da Avon International, a redução do endividamento seria impossível.
E na quinta-feira, 19 de outubro, a venda para a Regent foi confirmada. As ações da Natura dispararam mais de 15%, mostrando o alívio dos investidores. O “projeto L’Oréal tropical” acabou.
Além da venda por um valor simbólico, a Natura pode receber até £60 milhões (cerca de R$ 430 milhões) em pagamentos adicionais, dependendo do desempenho futuro da Avon (earn-outs). A transação, sujeita a aprovações regulatórias, deve ser concluída no primeiro trimestre de 2026. As operações da Avon na América Latina e na Rússia não estão incluídas na venda.
Para analistas, a venda consolida a mudança estratégica: foco total na América Latina, onde a Natura tem maior penetração e vantagem competitiva. Pelozato afirma: “O valor simbólico mostra que o objetivo não era dinheiro imediato, mas se livrar de um ativo problemático, reduzir riscos e valorizar as ações.”
Seis anos se passaram entre a aquisição da Avon e sua venda – um período curto que ilustra a mudança de rumo da Natura. O desafio agora é consolidar essa nova estratégia, aumentar a rentabilidade e reconquistar a confiança dos investidores, já parcialmente recuperada com a alta das ações. Lucas Barbosa, analista da Ativa Investimentos, acredita em um futuro positivo e estável, com as marcas Natura e Avon Latam como pilares.
Para o mercado, a venda da Avon International é um divisor de águas. A Natura deixa para trás um ciclo de prejuízos e apresenta um futuro mais previsível e promissor. A expansão global foi um sonho que terminou, mas a empresa parece pronta para um novo capítulo.
Fonte da Matéria: g1.globo.com