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** Bolsonaro condenado: Ex-presidente entra para seleto grupo de líderes punidos por golpe desde a 2ª Guerra

** Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, agora faz parte de um grupo extremamente pequeno: chefes de Estado punidos por tentativa de golpe desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Até a condenação dele pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 11 de maio de 2023, apenas nove líderes haviam sofrido punições semelhantes nos últimos 80 anos. Olha só que raro!

A decisão do STF foi pesada: 27 anos e três meses de prisão para Bolsonaro e mais sete réus, por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Isso fez dele o primeiro ex-presidente brasileiro condenado por esse tipo de crime. Globalmente, considerando dados desde 1946 – compilados pelos pesquisadores Luciano Da Ros (UFSC) e Manoel Gehrke (Universidade de Pisa) no estudo “Convicting Politicians for Corruption: The Politics of Criminal Accountability”, publicado na revista *Government & Opposition* da Cambridge University Press – Bolsonaro se torna o décimo chefe de Estado punido por golpe, juntando-se a ex-líderes da Bolívia, Grécia, Coreia do Sul, Turquia, Paquistão, Uruguai e Azerbaijão. A pesquisa leva em conta apenas condenações por cortes nacionais, excluindo tribunais internacionais.

Impressionante, né? O estudo mostra que, desde 1946, apenas nove chefes de Estado foram punidos por envolvimento em golpes, enquanto foram registradas 55 condenações por corrupção entre as décadas de 1940 e 2010. Para Da Ros, o caso Bolsonaro é excepcional, principalmente por se tratar de uma tentativa de golpe fracassada. Entre os casos analisados, apenas Surat Huseynov, do Azerbaijão, havia sido punido por situação semelhante.

Outro ponto que chama a atenção é a velocidade do processo. Três anos se passaram entre a trama golpista e a condenação – bem menos que a média dos outros casos. Da Ros destaca que isso não significa pressa indevida do Supremo: “A punição para golpes geralmente é demorada porque existe um interregno literal. Há um novo regime que se afirma por conta de um golpe bem-sucedido, que dura, por vezes, décadas. Só depois é que se avaliam as condições políticas para punir os ex-ditadores.”

No Uruguai, por exemplo, Juan María Bordaberry só foi condenado 37 anos após o golpe de 1973, morrendo em 2011, um ano após a sentença, em prisão domiciliar. Na Turquia, Kenan Evren recebeu prisão perpétua em 2015, 34 anos após o golpe de 1980, falecendo no ano seguinte.

Segundo Gehrke, golpes bem-sucedidos são muito mais difíceis de punir: “Muitas vezes faltam evidências ou pessoas dispostas a fornecê-las, além de uma estrutura institucional independente para investigar”. Ele explica também que golpes contra democracias são menos frequentes que em contextos autoritários, o que ajuda a explicar a baixa quantidade de condenações.

A lista de chefes de Estado condenados por golpe entre 1946 e 2022 é pequena, mas os pesquisadores ressaltam que isso não quer dizer que apenas esses foram responsabilizados. Em muitos casos, ditadores foram julgados por outros crimes, como violações de direitos humanos. Anistias e pactos políticos também limitaram a responsabilização de golpistas.

A decisão do STF, segundo os pesquisadores, representa uma autoafirmação das autoridades civis sobre as militares, já que, historicamente, elites das Forças Armadas brasileiras ficaram impunes por ataques à democracia. Embora inédita, a condenação de Bolsonaro ainda precisa de tempo para que seus impactos sejam totalmente mensurados. Mas, para Da Ros e Gehrke, o julgamento representa uma ruptura com o padrão histórico do país: “Mais do que punir um ex-presidente, o julgamento sanciona negativamente o comportamento de autoridades militares de alta patente envolvidos naquilo que se julgou como uma tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”. Gehrke complementa dizendo que, em um cenário global de pressões contra regimes democráticos, o caso brasileiro pode servir de referência internacional. “A democracia brasileira consegue, de certa maneira, melhorar em relação aos anos precedentes. Muitos países que estão nesse mesmo contexto de recuperação enfrentam dificuldades para voltar a ser o que eram antes do início do processo de erosão democrática.”

Atualmente, dois casos de tentativas de golpe chamam atenção: a tentativa de “autogolpe” de Pedro Castillo, então presidente do Peru, em 2022, e a decretação de lei marcial por Yoon Suk Yeol, presidente da Coreia do Sul, em 2024, na tentativa de fechar o Parlamento. Ambos foram presos e perderam seus cargos, respondendo a processos. Gehrke lembra que, em muitos países, tentativas de golpe foram punidas por impeachment, mostrando que as respostas a ataques à democracia não vêm apenas do Judiciário.

Apesar da raridade de condenações por golpe, o estudo mostra um crescimento expressivo em ações contra ex-chefes de governo por corrupção, principalmente a partir dos anos 2000, ligado à difusão de normas internacionais anticorrupção e ao aumento de expectativas democráticas. A alternância no poder também fortaleceu os sistemas judiciais em vários países. Da Ros pondera: “Mas é importante dizer que não existe um conjunto idêntico de causas para todas as condenações em todos os países do mundo. As combinações de fatores que produzem esses resultados nem sempre são iguais”.

Por outro lado, punições arbitrárias a ex-líderes (exílio, prisões sem julgamento ou execuções) se tornaram menos comuns. A probabilidade caiu de 30% (1960-1980) para 12% (2000-2015). Gehrke afirma que países mais autoritários costumam punir ex-líderes de forma mais arbitrária. Casos de corrupção, no entanto, têm maior chance de reversão em instâncias superiores. Um novo estudo dos pesquisadores identificou 32 episódios de anulação de condenações por cortes supremas ou tribunais de apelação (25 por corrupção e 7 por outros crimes). Um exemplo é o de Lula, preso após a Operação Lava Jato, mas com condenação anulada pelo STF em 2021. Esses dados estão no artigo “An Institutional Fail-Safe? How the Gap in Judicial Independence Between High and Low Courts Explains the Reversal of Corruption Convictions of Former Heads of Government”, publicado na revista *Public Integrity*.

Fonte da Matéria: g1.globo.com