** A França tá passando por uma encrenca e tanto! O primeiro-ministro François Bayrou, sem maioria no Parlamento, levou um chapéu na segunda-feira (8) no voto de confiança. A situação lembra dezembro de 2024, quando o governo do Michel Barnier, conservador que mal havia assumido o cargo, caiu em menos de 100 dias. Ninguém ficou surpreso, mas o que vem agora? É a grande pergunta. A possibilidade de novas eleições, exigidas pelo partido de ultradireita, Reunião Nacional (RN), paira no ar, assim como a capacidade do presidente Emmanuel Macron de formar um novo governo, mesmo que minoritário.
O problema, na real, é econômico: a França é a campeã de endividamento na União Europeia (UE), em termos absolutos. A dívida pública ultrapassou os 3,35 trilhões de euros, representando cerca de 114% do PIB. E a coisa só piora: especialistas preveem que pode chegar a mais de 125% do PIB até 2030!
Além disso, a França ostenta o maior déficit fiscal do bloco, entre 5,4% e 5,8% do PIB. Para atingir a meta de 3%, exigida pela UE, seriam necessários cortes drásticos. Como isso não é politicamente viável, os mercados financeiros reagem com sobretaxas de risco nos títulos da dívida pública francesa.
A pergunta que fica é: precisamos nos preocupar com o euro se a segunda maior economia da zona do euro tá com as finanças descontroladas? Friedrich Heinemann, economista do Centro Leibniz de Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), em Mannheim, Alemanha, responde sem rodeios: “Sim, devemos nos preocupar. A zona do euro não tá estável agora.”
Ele pondera: “Não estou preocupado com uma nova crise da dívida a curto prazo. Mas é preciso se questionar até onde isso vai, principalmente com um país grande como a França, que já vinha com o endividamento em alta nos últimos anos, e agora também se desestabiliza politicamente.”
A França não tá sozinha nessa. Vários países acumulam dívidas históricas e precisam de bilhões nos mercados de capitais. Com o outono europeu chegando, gigantes como Alemanha, Japão e Estados Unidos lançam títulos no mercado, deixando tudo ainda mais tenso.
Heinemann explica que a relativa calma nos mercados se deve à esperança de que o Banco Central Europeu (BCE) compre títulos do governo francês para estabilizar a situação. Mas essa esperança pode ser ilusória, pois o BCE precisa ter cuidado para não perder sua credibilidade.
O cenário é conhecido: menciona-se economia ou reformas, e esquerda e direita na França se revoltam, mobilizando seus eleitores. Para o dia 10 de setembro, dois dias após o provável voto de desconfiança, os sindicatos convocaram uma greve geral. Isso lembra os “coletes amarelos”, que paralisaram o país no outono de 2018, por causa do aumento de impostos sobre combustíveis.
Heinemann critica a Comissão Europeia: “Ela sempre fechou os olhos para a França. Foram compromissos políticos por medo de fortalecer os populistas”.
Só para pagar juros, a França precisa de 67 bilhões de euros por ano – dinheiro que falta em outras áreas. E o país está pressionado a reduzir o déficit, um acordo fechado com François Bayrou, o agora ex-primeiro-ministro sem maioria. Heinemann destaca: “A França esgotou sua margem de manobra fiscal. A Alemanha está numa situação bem melhor. A França, não.”
Assim como a Alemanha, a França precisa de reformas sociais, o que implica em reduzir gastos públicos ou aumentar impostos – numa nação que já cobra impostos altíssimos, segundo Heinemann. Ele é cético quanto a um consenso político para reduzir dívida e gastos: “Com a força dos populistas de esquerda e direita, não vejo isso acontecendo. Não vejo aprendizado. O centro está sumindo. Sou pessimista.”
Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa da Capital Economics (Londres), considera os riscos (ainda) controláveis: “Por enquanto, os problemas parecem limitados à França, se a dimensão do problema não crescer demais”. Mas ele admite cenários em que a crise pode se espalhar pela UE: “A França é a segunda maior economia da zona do euro, com importantes relações comerciais e financeiras com os vizinhos, além de ser uma potência política no bloco”. Uma crise francesa poderia ameaçar o “projeto europeu”. Ele alerta: “Não esperamos uma crise dessa magnitude nos próximos um ou dois anos. Mas, se acontecer, o contágio seria um risco muito maior para o BCE.”
A crise francesa surge num momento complicado, com negociações comerciais ainda inconclusas entre UE e EUA, especialmente sobre a tributação de empresas de tecnologia americanas. Não é hora da UE se enfraquecer por causa de sua segunda maior economia, praticamente ingovernável.
Heinemann aponta as tendências protecionistas na França, tanto na direita quanto na esquerda: “Muitos políticos franceses concordam com Trump na política comercial. Muitos pensam: precisamos de mais proteção, tarifas mais altas, isolar mais o mercado europeu, de preferência, a França”. Esses atores podem pressionar a Comissão Europeia a reagir às tarifas de Trump com tarifas europeias, aumentando o risco de uma guerra comercial.
Fonte da Matéria: g1.globo.com