** A madrugada deste sábado, 30 de julho, amanheceu triste para a literatura brasileira. Luis Fernando Verissimo, um dos maiores nomes da nossa escrita, faleceu aos 88 anos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ele estava internado na UTI do Hospital Moinhos de Vento desde 11 de agosto, vítima de complicações de uma pneumonia, segundo informações da instituição.
Que tristeza, né? Verissimo, além da pneumonia, já enfrentava Parkinson e problemas cardíacos – inclusive, colocou um marcapasso em 2016. Em 2021, um AVC (Acidente Vascular Cerebral) agravou ainda mais seu quadro, deixando-o com dificuldades motoras e de comunicação, conforme relatou a família.
Ele deixa a esposa, Lúcia Helena Massa, três filhos e dois netos. A cerimônia de despedida será realizada no Salão Nobre Julio de Castilhos, na Assembleia Legislativa do RS, a partir das 12h.
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A repercussão da notícia no meio artístico foi imediata, com diversas homenagens sendo prestadas nas redes sociais. Vale a pena relembrar suas inesquecíveis tirinhas humorísticas que marcaram a época da ditadura, e suas últimas colunas no jornal Zero Hora, um verdadeiro retrato de sua genialidade.
Sua escrita, refinada e inteligente, conseguia, com maestria, fazer graça da própria metafísica, um talento ímpar. Incrível como ele conseguia isso!
Verissimo nasceu em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936. Passou parte da infância nos Estados Unidos, onde seu pai, o renomado escritor Érico Veríssimo (autor de “O Tempo e o Vento”), lecionava literatura brasileira nas universidades de Berkeley e Oakland. Aliás, o próprio Luis Fernando sempre ressaltou a influência do pai em sua escrita: “O pai foi um dos primeiros escritores brasileiros a escrever de uma maneira mais informal. E eu acho que herdei um pouco disso. Essa informalidade na maneira de escrever”, declarou certa vez.
Sua carreira literária é simplesmente impressionante: são mais de 70 livros publicados e 5,6 milhões de exemplares vendidos, um sucesso estrondoso! Tudo isso abrangendo crônicas, romances, contos e quadrinhos. Começou no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, como revisor em 1966. Depois, no Rio de Janeiro, trabalhou como tradutor. Seu primeiro livro, “O Popular”, foi lançado em 1973. Além do Zero Hora, ele também escreveu colunas para “O Estado de S.Paulo” e “O Globo”.
Apesar do sucesso, Verissimo levava uma vida discreta. Morava na mesma casa onde cresceu, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre – imóvel comprado em 1941 pelo seu pai. O escritório onde Érico Veríssimo trabalhava é mantido intacto pela família, um verdadeiro museu. Já Luis Fernando, cercado de livros, preferia escrever em outro cômodo, onde guardava seu saxofone e uma coleção imensa de discos e CDs de jazz. Sua rotina era metódica: só interrompia o trabalho para o almoço, chamado pela esposa, Lúcia, e à noite assistia ao Jornal Nacional. Sobre o jazz, ele mesmo dizia: “Música é sentar e ouvir”.
Personagens memoráveis marcaram sua obra, como os de “Ed Mort e outras histórias” (1979), “O analista de Bagé” (1981) e “A velhinha de Taubaté” (1983). Criou também a icônica tirinha “As Cobras”, publicada na “Folha da Manhã” nos anos 70. “Comédias da vida privada” (1994) virou até série na Rede Globo! Sobre o humor na TV, ele comentou certa vez: “Um desafio porque o humor de televisão, ao contrário do que possa parecer, é mais difícil de fazer que o humor impresso (…) Não tenho uma vocação humorística, mas consigo eventualmente produzir humor. Mas é uma coisa mais deliberada, mais pensada, do que espontânea, no meu caso”. No final dos anos 80, participou como roteirista do programa humorístico “TV Pirata”. Sucessos como “Comédias para se ler na escola” e “As mentiras que os homens contam” (2000) também compõem seu legado.
Apesar do talento literário, Verissimo era um homem tímido. Durante sua estadia nos Estados Unidos, estudou na Roosevelt High School, em Washington, onde desenvolveu paixão pelo jazz e aprendeu a tocar saxofone. Em entrevista à RBS TV, ele confessou: “Minha timidez é… Por exemplo: tenho horror de fazer isso que estou fazendo agora: dar entrevista, falar em público e tal. Eu sempre digo que não dominei a arte de falar e escrever ao mesmo tempo, são duas coisas que se excluem, então é nesse sentido é que se manifesta a minha timidez”. Mas, a timidez não o impedia de escrever, afinal, “Essa é uma das vantagens da crônica. A gente pode ser o que quiser escrevendo uma crônica”.
As inúmeras homenagens que recebeu ao longo dos anos, como a dos seus 80 anos, mostram que ele não precisava de grandes discursos para arrancar risadas. “Têm sido tão agradáveis as homenagens, inclusive da família, que eu tô pensando em fazer 80 anos mais vezes”, brincou ele numa ocasião. Em entrevista ao programa “GloboNews literatura”, em 2012, ele explicou sua fama de lacônico: “Não sou eu que falo pouco, os outros é que falam muito”.
Além da literatura e do jazz, Verissimo era apaixonado por futebol, especialmente pelo Internacional. Sua paixão pelo clube gaúcho rendeu até um livro: “Internacional, Autobiografia de uma Paixão”. Em entrevista em abril de 2012, ele relembrou seu primeiro jogo no Estádio dos Eucaliptos: “Lembro a emoção de estar em campo. Só ouvia futebol pelo rádio. Ali, uma cerca nos separava dos jogadores. Dava para ver as feições, sentir a respiração deles. Eu estava vendo as cores do jogo, uma sensação completamente diferente. Nunca vou me esquecer também do cheiro de grama”. Cobriu Copas do Mundo a partir de 1986 e guardava na memória momentos marcantes, como a eliminação do Brasil para a França nos pênaltis em 1986. Também celebrava os títulos do Inter, como o Brasileirão de 1975, o tricampeonato invicto de 1979 e, claro, o Mundial de Clubes de 2006, sobre o qual escreveu a crônica “Não me acordem”.
O Brasil perde um gigante da literatura. Descanse em paz, mestre Verissimo. Sua obra ficará para sempre viva na memória de todos nós.
Fonte da Matéria: g1.globo.com