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** Home office: reclamar nas redes sociais custou o emprego deles, mas a demissão era justa?

** Um dia de trem superlotado e cansaço extremo fizeram Wanderley Bueno, na época coordenador de segurança da informação, desabafar no WhatsApp: “Ainda tem gente que defende o presencial! Enquanto eu tô aqui, nessa situação, muitos gerentes vão pra casa em suas SUVs, com ar-condicionado, tranquilos…”. A frase, que parecia um simples desabafo entre amigos, chegou à diretoria. Resultado? Wanderley foi afastado de reuniões, perdeu influência e, um mês e meio depois, foi demitido.

Do outro lado da cidade, em São Paulo, Jenifer Matias, especialista em gestão de risco e compliance, passava por algo parecido. Presa por quase quatro horas no metrô durante um incidente, sem ar-condicionado e com pessoas passando mal, ela refletiu sobre como o trabalho remoto poderia ter evitado tudo aquilo. E compartilhou seus pensamentos no LinkedIn. Segundo Jenifer, suas postagens foram sempre respeitosas, mas chamaram a atenção da chefia. Primeiro, vieram os alertas, depois, a demissão. A justificativa? Quebra de confiança e insatisfação com a empresa, mesmo sem citar o nome dela em nenhum momento. “Fui demitida por expressar uma opinião que até a minha gerente compartilhava!”, conta Jenifer, indignada.

As histórias de Wanderley e Jenifer refletem a crescente tendência de retorno ao presencial e a redução de vagas com opção de home office. Como mostrou o g1 em fevereiro deste ano, muitas empresas estão revisando suas políticas de trabalho remoto, diminuindo os benefícios ou exigindo mais presença física. O problema é que essa volta ao escritório nem sempre considera quem foi contratado remotamente ou reorganizou a vida inteira para esse modelo. Isso explica o aumento de reclamações nas redes sociais contra o trabalho presencial. Muitas empresas, porém, veem essas manifestações como falta de alinhamento e usam como pretexto para demissões.

Mas essa questão vai além do home office. As redes sociais se tornaram um espaço comum para desabafos sobre o trabalho, o transporte, enfim, a vida. E aí surgem perguntas importantes: até onde podemos usar as redes como diário pessoal? As empresas têm o direito de controlar o que os funcionários publicam fora do trabalho? Demitir alguém só por discordar é justo?

Especialistas ajudam a esclarecer essas dúvidas. Wanderley, por exemplo, trabalhava 13 horas por dia, era chamado fora do expediente e ainda tinha que se deslocar diariamente entre Itaquera e o centro de São Paulo. Esse desgaste físico e mental o levou ao desabafo no WhatsApp. O que mais o decepcionou foi descobrir que um colega, do mesmo nível hierárquico, repassou a mensagem para a chefia. “Aprendi da pior forma que colegas não são amigos… Me senti traído. Se fosse eu, teria chamado o colega para um café e dito: ‘Apaga isso, vai te prejudicar'”, lamenta. Ele considera o episódio um ataque à liberdade de expressão e mudou completamente sua forma de se relacionar no ambiente corporativo. Desde a demissão, ele parou de adicionar colegas em seus perfis pessoais, evita compartilhar detalhes da vida privada e até usa inteligência artificial para revisar suas postagens.

Já Jenifer conta que passou a defender o home office após o incidente traumático no metrô. Na reunião de desligamento, a gerente disse que as postagens estavam prejudicando a imagem da empresa. “Hoje, me pego pensando: será que preciso deixar de ser eu mesma para não perder um emprego?”, questiona Jenifer. O clima após sua demissão também foi tenso. Colegas que curtiram a mensagem de despedida foram repreendidos e orientados a apagar os curtidas. Jenifer recebeu mensagens privadas de desculpas e relatos de medo de retaliações. Atualmente desempregada, ela pensa em empreender no ramo do turismo, buscando um ambiente mais flexível, e pretende entrar com uma ação trabalhista contra a antiga empresa. “Vou entrar com uma ação. As empresas precisam entender que opinião não é difamação”, afirma.

Para especialistas em RH, por trás dessas demissões, existe uma preocupação excessiva com a imagem institucional. Leyla Nascimento, diretora da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos), aponta a falta de diálogo nas empresas como o problema principal. Muitas vezes, os funcionários querem mais flexibilidade, mas não encontram espaço para conversar com os líderes. Sem esse diálogo, o desabafo vai para as redes sociais, e aí os conflitos explodem. Leyla destaca que demitir por uma postagem deveria ser a última opção, e não a primeira, pois impacta o funcionário, o clima da equipe e a reputação da empresa. “Se a demissão não for bem pensada, o funcionário sai com uma experiência ruim, e isso pode prejudicar a imagem da empresa como marca empregadora”, diz Leyla. Ela sugere que, ao invés de punir, as empresas deveriam usar as postagens como um alerta para ouvir os colaboradores e melhorar o ambiente de trabalho. Outro ponto importante é a falta de diretrizes claras sobre o uso das redes sociais em muitas empresas.

Postagens nas redes sociais podem levar à demissão? Depende. Segundo a advogada Elisa Alonso, tudo depende do conteúdo da postagem e do seu impacto na imagem da empresa. Postagens que prejudiquem a reputação, violem regras internas ou exponham informações sigilosas podem resultar em sanções, desde advertências até demissão por justa causa. Isso inclui informações estratégicas, dados de clientes (quebra de confidencialidade) e conteúdos discriminatórios ou incompatíveis com os valores da empresa. Essas regras valem mesmo fora do horário de trabalho, principalmente se o funcionário for facilmente identificado como empregado da empresa. Assédio virtual contra colegas também pode resultar em demissão.

Nos casos de Wanderley e Jenifer, as demissões foram sem justa causa. O advogado trabalhista Affonso Garcia Moreira Neto explica que essa é uma opção mais segura para evitar conflitos, pois não exige comprovação de danos à imagem ou quebra de regras. A demissão por justa causa é mais severa e exige prova concreta de falta grave. Mesmo em demissões sem justa causa, o trabalhador pode recorrer à Justiça se sentir perseguido ou houver abuso por parte da empresa. É possível pedir indenização por danos morais, como mostra um caso recente em São Paulo, onde uma mulher recebeu R$ 30 mil de indenização após ser demitida por críticas às ações de Israel na Cisjordânia. A liberdade de expressão é um direito constitucional, mas não é absoluta. O funcionário precisa ter responsabilidade sobre o que publica. Se a postagem for respeitosa e não causar prejuízo à empresa, dificilmente será motivo para justa causa.

As empresas podem controlar o que você publica? Sim, segundo a advogada Adriana Faria, mas essa proibição precisa estar no contrato de trabalho ou em uma política interna clara, justificada e não abusiva. O RH deve criar políticas objetivas sobre o uso das redes sociais pelos funcionários, definindo o que pode e não pode ser compartilhado, e as consequências do descumprimento.

O home office vai acabar? A disputa pelo melhor modelo de trabalho está longe do fim. Empresas como Amazon e Dell estão reduzindo ou proibindo o teletrabalho. Dados da consultoria JLL mostram a diminuição da taxa de vacância de imóveis comerciais, voltando a níveis pré-pandemia. Sites de recrutamento, como a Gupy, também registram menos vagas remotas e mais presenciais ou híbridas. A insegurança com a produtividade é a principal razão, aponta a ABRH. Uma pesquisa da Mercer Brasil com 365 profissionais de RH revela dificuldades no modelo remoto: insegurança sobre a produtividade (76%), excesso de reuniões (66%), dificuldade em acompanhar iniciantes (51%), desafios na liderança (61%) e problemas com a cultura organizacional (52%). Mas especialistas lembram que os problemas se originam em falhas internas das empresas, como planejamento deficiente, falta de maturidade dos colaboradores para gerir tempo e tarefas e perfis de negócios que dependem de colaboração constante entre equipes.

Para muitos, o retorno ao presencial é inviável, seja pelo tempo de deslocamento, segurança, rotina familiar ou qualidade de vida. O home office oferece autonomia, redução de custos e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Muitos preferem pedir demissão a abrir mão do home office. Em 2024, cerca de 8,5 milhões de brasileiros pediram demissão voluntariamente, e entre os motivos citados pelo Ministério do Trabalho estão a falta de flexibilidade (15,7%), dificuldade de locomoção (21,7%), necessidade de cuidar da família (9,1%), além de medo de assaltos, importunação sexual e falta de tempo para estudos ou cuidados com a saúde.

Fonte da Matéria: g1.globo.com