A morte da agente Abigail Esparza Reyes, em 9 de abril de 2025, durante uma operação em Tijuana, chocou o México e os Estados Unidos. Abigail, 33 anos, liderava uma equipe da Unidade de Ligação Internacional (UEI) – conhecidos como “caçadores de gringos” pela imprensa – na captura de César Hernández, um americano de 35 anos condenado por assassinato na Califórnia e foragido desde dezembro de 2024. A operação, que parecia mais uma das tantas bem-sucedidas da UEI, terminou em tragédia.
Hernández, encontrado em um condomínio com segurança reforçada, reagiu à abordagem, abrindo fogo contra os agentes. No tiroteio, um tiro disparado do segundo andar atingiu Abigail, que morreu pouco tempo depois de chegar ao hospital. Incrível, mas Hernández escapou, nu, pelos telhados do condomínio, achando roupas em um carro estacionado e sumindo tranquilamente. Dias depois, ele foi preso, mas o dano estava feito. A perda de Abigail, um duro golpe para a UEI, marcou um capítulo sombrio na história da unidade.
A UEI, que colabora estreitamente com agências americanas como o FBI, a DEA e os U.S. Marshals, tem um histórico invejável. Em mais de 20 anos, prendeu mais de 1.500 foragidos, quase todos americanos, na região fronteiriça da Baixa Califórnia. Sua eficiência, baseada em inteligência e planejamento impecáveis, rendeu-lhe respeito de ambos os lados da fronteira, tanto que, em 2022, o The Washington Post publicou uma reportagem sobre a unidade, cunhando o apelido “caçadores de gringos”, posteriormente adotado por outros veículos, inclusive a Netflix, que lançou uma série inspirada em seu trabalho. Essa parceria com os EUA, diga-se de passagem, é única, já que as autoridades americanas costumam desconfiar das forças policiais mexicanas.
O xerife do condado de San Diego prestou uma comovente homenagem a Abigail, descrevendo-a como um “pilar de caráter excepcional e dedicação ao serviço”. Os U.S. Marshals, como demonstração de solidariedade, organizaram uma corrida beneficente em apoio à família da agente. No México, houve uma homenagem oficial com a presença de autoridades americanas, um reflexo da profunda relação entre a UEI e as agências dos EUA. Víctor Sánchez, analista de segurança, ressalta a confiança construída ao longo dos anos, fruto do sucesso das operações da UEI, quebrando a desconfiança normalmente presente na cooperação entre as autoridades dos dois países.
A UEI opera de forma singular no México. Não há outra agência federal com atuação semelhante. Embora a Secretaria de Segurança e Proteção Cidadã (SSPC) colabore com os EUA em pedidos de prisão, não possui uma unidade especializada em estrangeiros. A UEI, por sua vez, conta com agentes treinados nos EUA, alguns com treinamento militar ou paramilitar, em técnicas de inteligência e operações táticas.
O processo é eficiente: as autoridades americanas fornecem informações, como localização de contas bancárias ou sinais de celular, e a UEI realiza o monitoramento e a prisão. As operações são rápidas e discretas: os agentes utilizam veículos e roupas sem identificação durante o monitoramento e agem com precisão na captura, entregando os foragidos diretamente aos agentes americanos na fronteira. Esse processo de deportação direta se baseia na violação do visto de turista (3 meses). A exceção é o estado de Chihuahua, com uma unidade menor, que trabalha com o Texas.
Tijuana, por sua localização estratégica e intensa interação com San Diego, torna-se um refúgio para foragidos americanos. A cidade, com quase 2 milhões de americanos, oferece uma cultura receptiva a estrangeiros e uma vida mais acessível, além de fragilidades institucionais que dificultam as investigações. A proximidade e a intensa movimentação entre as duas cidades facilitam a fuga e o estabelecimento de uma nova vida.
Apesar do sucesso da UEI em Tijuana, o modelo não é replicável em todo o México. A dinâmica social da fronteira é única. Em cidades como San Miguel de Allende, Chapala ou a Cidade do México, com grande presença americana, não há unidades especializadas, pois a incidência de crimes e a dinâmica são diferentes. A UEI se concentra em crimes graves – assassinatos, estupros, fugas de prisão – cometidos por indivíduos, não por organizações criminosas ou cartéis.
A cooperação com os EUA é crucial para o sucesso da UEI, mas se torna complexa em casos de envolvimento com o narcotráfico, onde a corrupção pode dificultar a colaboração. Em casos de crimes como estupro, a cooperação é mais fácil, pois não há a mesma probabilidade de corrupção policial. A série da Netflix, “Caçadores de Gringos”, lançada em julho, é uma ficção inspirada nas operações da UEI, mas não reflete a complexidade do trabalho e as perdas que podem ocorrer. A morte de Abigail Esparza é um lembrete disso. A UEI, após a tragédia, optou por se afastar da mídia, recusando uma entrevista à BBC Mundo. O legado de Abigail, no entanto, é inegável: um marco de coragem e dedicação ao serviço, e uma prova da eficiência, embora arriscada, da caça aos “gringos” foragidos.
Fonte da Matéria: g1.globo.com