Uberaba, Minas Gerais, início de maio. Quase meio milhão de pessoas e mais de 2.400 cabeças de gado lotam a ExpoZebu, uma festa gigantesca da pecuária brasileira. O motivo? A “supervaca” zebu, uma raça geneticamente aprimorada, campeã de produção e responsável por fazer do Brasil o maior exportador mundial de carne bovina – 2,9 milhões de toneladas em 2024! Será que essa força toda consegue alimentar o planeta? A gente foi atrás da resposta.
A fotógrafa Carolina Arantes, que passou 10 anos documentando a saga do zebu brasileiro, descreve a raça com entusiasmo: “São animais enormes! Alguns chegam a 1,80m de altura, com grandes chifres, pele clara e aquela corcunda característica.” Ela conta que anos de cruzamentos e seleção genética levaram o zebu ao patamar atual, capaz de fornecer carne de altíssima qualidade. Na ExpoZebu, verdadeiras estrelas bovinas são exibidas e disputam o título de melhor exemplar, com alguns touros e vacas atingindo preços milionários – uma vaca chegou a ser vendida por R$ 25 milhões no ano passado! Claro, esses animais de genética excepcional não vão para o abate. Seu papel é crucial na reprodução, gerando descendentes com características superiores. Olha só o caso do touro Gabriel, uma verdadeira celebridade com nada menos que 600 mil bezerros! Isso explica o crescimento explosivo do rebanho zebu no Brasil, que já conta com 225 milhões de cabeças, e a ambiciosa meta dos pecuaristas: dobrar esse número!
Mas como o zebu, originalmente indiano, se tornou tão importante para a pecuária brasileira? O historiador Oscar Broughton, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, contextualiza: “A pecuária brasileira começou com a colonização portuguesa, no século XVI. O gado crioulo, pequeno e vindo da Península Ibérica, servia principalmente para alimentar os escravizados, com carne seca e salgada.” A produção em larga escala era inviável. No século XIX, porém, a demanda internacional explodiu, principalmente da Europa e América do Norte. O Brasil, precisando alimentar sua crescente população e se inserir no mercado global, precisava de uma solução. O problema? O gado crioulo não se dava bem no clima tropical da maior parte do país, sofrendo com doenças e baixa reprodução.
Aí entra o zebu, adaptado às altas temperaturas, pragas e escassez de pastagens típicas dos trópicos. “Patas mais longas, metabolismo mais lento, cílios mais compridos para proteção contra o sol e o pó… O zebu era perfeito!”, explica Broughton. Entre 1893 e 1914, mais de 2 mil zebus foram importados da Índia, dando origem à raça induzebu ou indubrasil. As Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) impulsionaram ainda mais a demanda por carne e outros produtos pecuários, consolidando o Brasil como potência. Após o golpe militar de 1964, a carne bovina se tornou estratégica para a economia nacional. A Embrapa, criada na década de 1970, inovou com novas pastagens africanas, tratamentos para doenças e melhorias no solo, expandindo a pecuária para o norte, inclusive para a Amazônia. Surgiu então a poderosa bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia), forte influência política que defende o agronegócio e teve papel importante em eventos como o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Professor Cássio Brauner, da Universidade Federal de Pelotas, celebra o sucesso: “Nossos criadores fizeram um trabalho incrível! Temos as melhores raças de zebu do mundo, o que nos tornou o maior exportador global, impulsionado pela demanda chinesa.” O baixo custo de produção, baseado em pasto e mão de obra competitiva, é um diferencial. E claro, o consumo interno também é altíssimo, com o tradicional churrasco de domingo unindo famílias em todo o país, muitas vezes com o saboroso cupim, corte vindo da corcunda do zebu.
Mas nem tudo são flores. A pecuária tem um impacto ambiental significativo. Professor Marcos Barrozo, da Universidade DePaul, em Chicago, explica: “As vacas produzem metano, um potente gás estufa. E a expansão da pecuária, principalmente na Amazônia, leva ao desmatamento, reduzindo a absorção de CO2 pelas árvores.” A boa notícia é que o rápido crescimento do zebu resulta em menos metano e menor consumo de pasto por quilo de carne. “Eles geram mais carne em menos tempo, com menores emissões e uso de terra”, destaca Barrozo. A questão da Amazônia é complexa, envolvendo política e economia local. Apesar da baixa produtividade em algumas regiões, a pecuária é muitas vezes a principal fonte de renda e impostos.
Então, as supervacas brasileiras podem alimentar o mundo? Provavelmente não todas as pessoas comerão carne de zebu, mas sua genética pode ser uma solução. Com o aumento das temperaturas globais e dificuldades na produção de gado em várias partes do mundo, a demanda por zebu e sua genética superior deve crescer. “Acredito que as supervacas vão ajudar outros países a melhorar sua produção”, afirma Brauner. O futuro da pecuária global pode estar, em parte, no sucesso brasileiro com o zebu.
Fonte da Matéria: g1.globo.com